Crescer com moderação
 
 
 
                             Meus amigos e amigas, há muito tempo que venho percebendo algo que as pessoas parecem  não   notar. É o fato incontestável que as coisas no mundo não podem crescer demasiado. O crescimento desmedido desumaniza, torna tudo muito árido. Esse crescimento provoca uma distância que distorce até a paisagem.
                             Inconscientemente, sempre percebi isto. Desde  pequeno, quando via uma loja crescer muito, criando departamentos, salas disso, salas  daquilo, uma profusão de empregados, aquela loja, outrora pequena, mas aconchegante, perdia o seu encanto, a sua poesia. Tornava-se árida e os fregueses já não eram tratados com aquele carinho pelo dono da loja, que, aliás, neste súbito crescimento, desaparecia,  não  era mais visto.
                              Vi  tal coisa acontecer muitas vezes, desde menino. A padaria da esquina da minha rua, a rua Santo Amaro, a rua dos bons moleques,  soltadores de pipa, bons jogadores de bola de gude, muito bons no lançamento do pião, quando sofreu uma pavorosa   reforma, se descaracterizou. Não conseguíamos mais bater um bom  papo com a Belmira,   a que ficava no Caixa. E isso repercutiu  até nos pães, nos sonhos, nos doces. Simplesmente, perderam o sabor. Quando a nossa querida padaria era apertadinha, todos os frequentadores se conheciam. Havia aquela proximidade, aquele aconchego. Havia  carinho, amizade e saudável intimidade.    
                                Recordo-me da antiga rodoviária do Rio de Janeiro. Que encantamento!
                                Era pequena, mas que humanidade!
                                Volto-me agora para o futebol. No Rio, o nosso maior estádio era o de São Januário. Uma delícia. Volto a repetir: ali também existia o toque de humanidade. Veio o colosso do Maracanã e os torcedores  passaram a não mais se conhecer A distância do campo é imensa, perdemos o contato com o jogador.
                                Tenho absoluta certeza que o aumento da violência se deve a essa grandiosidade, que desumaniza tudo.
                               O leitor desavisado, o mais jovem, possivelmente, deve estar pensando:  esse cara já morreu e não sabe, coitado!.
                               Mas para esses, apanho  o testemunho do grande Nelson Rodrigues, que sabia das coisas, não havia ninguém mais malandro que ele.
                               Pois bem, o que nos disse certa feita?  Simplesmente, indo a um jogo do seu Fluminense, lá nas Laranjeiras, em Álvaro Chaves, com a sua genialidade, fez a apologia do campo pequeno. É dele essa frase: Antes de mais nada, o campo pequeno é lírico, aconchegante e cálido como um galinheiro.  Ele tinha nome para nos jogar na cara essa frase contundente. Dizia ele que no Maracanã tudo era vago, longínquo, utópico!. E arrematava: No campo pequeno, todos os caminhos estão abertos para a emoção direta e integral. No maracanã a paisagem fica de fora.
                              Citei o Nelson, para que os leitores não me apedrejem!
                              Sempre vi esse fenômeno acontecer. No crescimento das padarias, das papelarias,  barbearias, dos bares, restaurantes  e até dos mictórios.
                              Nos dias de hoje, para minha tristeza,  verifiquei que os advogados da pequena cidade onde moro deixaram de conversar entre si, praticamente,  nem se cumprimentam   mais. O que foi que aconteceu? Respondo ao leitor aflito e curioso: simplesmente acabaram com o pequeno fórum que existia e construíram  um enorme fórum para a pequena cidade. No diminuto, numa pequena salinha da OAB, nós, os advogados, contávamos histórias de nossas famílias, contávamos piadas, falávamos sobre nossas doenças, trocávamos até receitas. Era delicioso o nosso encontro todas as tardes. Cheguei eu mesmo a fazer sozinho um bolo mármore. Na segunda tentativa, para não mentir.  Agora, em nova sala, muito grande, não há mais encontros tão amigos.  Criou-se uma distância insuportável. Nos vemos à distância. E nos tornamos estranhos.  
                             Para finalizar essa minha divagação de hoje, assinalo que vejo com desgosto  o sorriso largo dos apresentadores de televisão mostrando um espetáculo de algum cantor, reunindo milhões de pessoas. Mostram isso com alegria! Estão achando isso bom!  Milhões de pessoas pulando, todos estranhos, sem cara, sem visibilidade, sem o verdadeiro calor humano que tanto necessitamos.
                                Outrora, havia mais plasticidade, e até mais voluptuosidade, quer dizer, um prazer dos nossos sentidos. E ao recebermos um elogio, neste contato mais íntimo, mais sincero, olho no olho, poderíamos, sem medo, confessar, como fazia o grande escritor de ficção científica, Isaac Azimov: - " Não resisto a um elogio por mais de meio segundo ( e estou exagerando muito nesse meio segundo)".
                                    Não resisti terminar esta aconhegante crônica sem esta blague.

                                               

Nota:  Republicação, com alterações. Os amigos e amigas cariocas não leram esta crônica antiga.