EM NOME DA PÁSCOA
A gente se acostuma com o que vê: com o justo e o injusto, limpo ou sujo, autêntico ou distorcido, engajado ou alienado, pichado ou pintado, rico ou miserável, imperialista ou terrorista, sublime ou grotesco, democrata ou demagogo. A gente se acostuma com a guerra. Pois há quem não saiba viver em paz, daí o paradoxo: há quem durma tranquilo em meio à própria violência. Mais: uma cultura ou um sistema determinam o errado e o certo, transformam o desumano em aparentemente normal, a depredação, em coisa natural. Culpa-se o inocente porque os violentos e os corruptos tomaram conta.
A gente se acostuma com o profano. Ovos de Páscoa locupletam supermercados. Denominados de Páscoa,ovos de chocolate são vendidos em profusão e disputados aos empurrões, nos supermercados, principalmente no final da Semana Santa. O adjetivo ‘santa’, aqui, apenas empresta mais um, e grande, atrativo consumista. É o profano se apropriando do sagrado. Lucro é a referência. Embora, para alcançar esse objetivo, empregue-se muita gente, é mais um rótulo religioso, cujo conteúdo é criticado por muitos, mas que alimenta e aquece o mercado.
Consoante origens simbólicas, o ovo representa fertilidade e vida e, na Páscoa, ressurreição. Entretanto, o que passa batido, entre nós, é que o comércio fatura alto com esses ovos explorando o evento Semana Santa. Sem essa motivação, o gostoso chocolate volta a ser vendido normalmente em barras sem o magnetismo da Páscoa.
Não se trata de ser utópico, mas de dar ainda um pouco de sentido a certas tradições. Na verdade, o que impressiona hoje é o rótulo, a grife. O negócio, literalmente negócio, é tornar uma mercadoria objeto de desejo. Objeto de desejo e de consumo é também produto associado cronologicamente a comemorações de caráter religioso, social ou cívico. Sobretudo litúrgico, cujo eixo é a Páscoa, símbolo emblemático da passagem pela estrada da vida. Todos temos prazo de validade. Boa Páscoa!