Assim Falou a "Lua Vermelha"

14 de abril de 2014. Segunda-feira de outono seco, que insiste em nos assustar com chuvas incapazes de subir os níveis da Cantareira em São Paulo e do Mar de Minas. Para compensar, os noticiários passaram o dia inteiro anunciando o espetáculo da “Lua Vermelha” na madrugada do dia seguinte.

Indiferentes ao desalinhamento das rodas dos carros e dos partidos de oposição, Lua, Terra e Sol estarão em perfeito alinhamento na madrugada do dia seguinte.

O anúncio do espetáculo indicava seu início às 3 horas, horário de Brasília e o pico do eclipse total às 4h. 45. A duração do espetáculo do eclipse total, ou seja, enquanto a Lua desaparecia ao abraço sombrio da Terra, seria de 1h.18.

Explica a ciência que a coloração ocorre devido à retenção da radiação azul, durante a refração dos raios do Sol ao atingirem a atmosfera da Terra, no momento anterior de iluminarem a Lua. Esses raios de Sol colorem a Lua de um alaranjado escuro próximo ao vermelho. Daí, o fenômeno ser conhecido como Lua Vermelha, ou Sangrenta.

Amigo e poeta amador que estava em Brasília, cidade privilegiada para assistir ao espetáculo, pediu à recepção de onde estava hospedado, que o acordasse às 3,30 hs e, não perdeu a oportunidade de maravilhar-se com um dos espetáculos que jamais sairão de cartaz. Os espetáculos encenados pelos astros e estrelas universais.

Enviou-me um correio eletrônico onde narra seu prazer e explica a vermelhidão da Lua de forma bem diferente da ciência. Confessou-me que a Lua sempre mexe com os poetas, mas que desta vez foi como se fora escolhido para registrar as verdadeiras causas de sua coloração. O que escrevera no seu correio é o que dela, Lua, ouvira.

Assim falou a Lua:

registra, como crônica de tua estada em Brasília e como plateia privilegiada ao espetáculo em que Sol e Terra fazem-me a estrela principal, como causas de minha coloração um misto de timidez, ira, vergonha e empolgação.

Timidez, ira, vergonha e empolgação causadas pelo que presencio no silêncio das noites, quando, como dizem vocês poetas, linda e vestida de prata pelo Sol, e no burburinho dos dias, quando praticamente despida e oculta pelo brilho do astro rei.

Meu vermelho deve-se hoje a certa timidez, apesar de me ter preparado para te dizer os porquês de minha cor sangrenta nessas ocasiões.

Deve-se a ira e vergonha que não consigo controlar, por presenciar: mãos armadas submetendo pela força; mãos gatunas em cofres públicos; mãos poderosas e irresponsáveis a: fazer leis promovedoras da injustiça; a colocar “parágrafos contrabandos” em Medidas Provisórias; a fazer julgamentos parciais, contaminados pela subserviência aos poderosos; e a levantarem-se com punhos cerrados criando gesto simbólico de reverência ao crime institucional. Mãos obstrutoras do desenvolvimento social e cultural de teu país.

Mas, também, deve-se a minha empolgação, minha alegria, quando presencio: mãos maternas amamentando, alimentando, educando e protegendo suas crias; mãos no balé da criação, nas carícias de amantes; mãos trabalhadoras lavrando a terra, semeando e colhendo o alimento para tua mesa; mãos coloridas de giz ensinando; mãos paternas solidárias e incentivadoras dos filhos; e mãos que fazem as artes.

Enfim, vermelho de timidez por expressar-me a um terráqueo; vermelho de vergonha e ira pelo feio, ruim, covarde, criminoso...; e vermelho de empolgação pelo bom, o bem, o belo e o sábio que presencio nesse teu povo mestiço em formação e muito distante do desenvolvimento social e cultural que lhe é devido.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 23/04/2014
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