1 - VIDAS TRATADAS COMO LARANJAS
O primeiro féretro por assassinato de um conhecido, que assisti se deu provavelmente em 1967, EU Assisti pelas páginas do Jornal de domingo e conversas.
Era um dia de chuva fina, talvez perto das 22 horas, o morto era conhecido por seu Maninho, homem de mais de 1,80 m, magro, bigode ralo, pouco mais de 35 anos que trabalhava como guarda noturno, numa região pacata, que não precisava de polícia e assim ela apareceu somente quando alguém foi assassinado.
O assassino um bugre meio descendente de índios, menos de 1,60 m de altura, franzino, embebe, já passados dos cinquenta anos.
Comentavam que o guarda noturno usava um revólver calibre .32, e gostava de acossar os transgressores que ele abordava, mas naquela noite foi diferente, o assassino desceu do ônibus e estava sendo aguardado pelo pseudo representante da Lei. Ao grito de vem cá o bugre acelerou o passo, mas logo foi alcançado e agarrado pelo ombro, a resposta foi fulminante, uma estocada com a lamina usada para cortar o fumo em rama, lamina que tinha o comprimento exato para embrenhar-se entre as costelas e dar acesso ao coração. O assassino sumiu na noite mal iluminada pelas lâmpadas de 150 watts da iluminação pública.
Ficaram no local o morto com a lâmina espetada no peito e a chuva fina a escorrer-lhe pelo corpo. No outro dia três ou quatro fotos no jornal emolduravam a cena. No local o sangue misturado ao barro servia de pouso às moscas.
Dias depois o assassino apresentou-se à polícia e depois de algum tempo foi absolvido por legítima defesa.
Ficaram a viúva e cinco filhos, a escola, os amigos, do morto e dos filhos dele.
Era um bairro distante 25 km do Centro de Porto Alegre sem os recursos atuais cada um se virou como pode para assimilar a única morte por assassinato até então sabida naquele fim de mundo e todos deram um jeito em suas vidas.
Hoje as mortes violentas são tratadas conforme a repercussão na mídia.
Outro dia dois motociclistas fulminaram alguns adolescentes a duas quadras daqui, veio o papa defuntos, quatro ou viaturas da polícia, ambulâncias de sirene aberta, no jornal publicou no dia seguinte e no outro, depois a roda viva engoliu todos. Conforme a mídia somente um dos adolescentes tinha um registro, por consumo de drogras.
Quase que diariamente passo pelas duas esquinas e a vida continua, as pessoas circulam como se nada houvesse acontecido, certamente cada um está se virando como pode, familiares e até os colegas da escola que fica na outra esquina.
As comoções são do tamanho que a irrigação da mídia lhes empresta.
Do Livro a força de cada um - 2013, 2015