Antigamente Era Diferente
Antigamente tudo era diferente. Sei que ao usar esta expressão, antigamente, estou entregando que o passado do qual vou falar já é bem antigo mesmo. E, na verdade é, pois já estou bem pertinho de virar meio século de vida.
Mas... o que seria tão diferente naquela época de infância? Bom, comecemos com a Páscoa. Era todo um tempo de preparo para a sua chegada. Dias de pescaria do pai para ter o peixe frito no almoço de Sexta-feira Santa. Comprar a sardinha enlatada para comer com o pão –o pai comprava aquelas latas bem grandes que depois eu e meus irmãos lavávamos e usávamos o ano inteiro como panelas, para cozinhar arroz no fogão de tijolos, em nossas brincadeiras de “casinha”.
Sabia que naquela sexta do ano era proibido subir em árvores, gritar, brigar ou gargalhar? Tínhamos de ficar contritos e entristecidos, pensando em nossos pecados e ruindades, pois Jesus havia morrido naquele dia e por culpa de nós, dos nossos pecados. E ficávamos. Claro que eu, às vezes, dava um jeito de quebrar os momentos de contrição e escapava pras ruas longe de casa onde me sentia livre e... sozinha, porque todas crianças eram obedientes aos pais e costumes da época.
Ah! E o que falar dos acompanhantes do peixe e da sardinha no almoço de Sexta-feira Santa? A mãe fazia arroz com leite, açúcar e canela. Que delícia de comer. E o pai comprava um enorme de um pão d`água (eles existiam sim) e cortava em pedaços. Eu amava pegar o pão e antes de comer o “potchava” (do verbo potchar, que significava “mergulhar”) no molho de sardinha. Hum, que delícia que era. Digo era, porque hoje não consigo comer sardinha em molho de tomate. Odeio. Não é mais como era antigamente. Mas ainda gosto da sardinha em óleo comestível. Não estou dizendo? Antigamente era diferente. O pão tinha outro sabor, a sardinha de molho de tomate tinha outro sabor... E o arroz doce então? Ninguém fazia como minha mãe. Ninguém! Nem as latinhas de sardinha são as mesmas. Parece que o material da lata mudou. Sei lá. É o que posso pensar...
E os preparos pro dia de Páscoa então? Você lembra como era na tua casa? Pois na minha era uma festa tão esperada, tão preparada, que já começava no tempo de quaresma. Aliás, o ano inteiro. Porque minha mãe guardava durante o ano, cascas de ovos de galinha, pato, avestruz... As cascas eram lavadas, secadas e bem guardadas dentro daquelas grandes latas de margarina. O ano inteiro se fazia isso. A mãe também passava o ano cuidando de umas plantas na horta. As raízes dessa plantas eram formadas de pequenas batatas. Na semana de quaresma a mãe pegava essas batatas, que já tinham sido colhidas e cujas folhas já haviam secado, e as cozinhava. A água onde as batatas cozinhavam ficava bem vermelha. Então, mergulhávamos as cascas naquele líquido e depois colocávamos as mesmas sobre pequenas estacas, para secar. Era assim que a mãe pintava os ovinhos. E eram todos vermelhos.
Na semana que antecedia a Páscoa, a mãe preparava o amendoim com açúcar. Era o recheio das casquinhas de Páscoa. Para fechar os ovos um quadradinho de papel da padaria (papel onde o pão vinha embrulhado lembra?) e uma cola feita pela mãe e pelo pai com farinha e outros ingredientes, que eu nunca soube quais eram. Sei que funcionava.
Quando eu fiz 11 anos a mãe e o pai me convidaram para encher com eles as casquinhas. Então eu descobri que o coelho não existia. Vichi! Mas só nessa idade? Pois é. Foi uma idade de descobertas. Foi nessa época também que descobri que os bebês não vinham trazidos pela cegonha, mas, eram formados dentro da barriga da mãe. Como, eu ainda não sabia, mas aprendi mais tarde...
Os ovos eram recheados com amendoim às noites de quinta-feira ou sexta-feira. Depois é claro, que meus irmãos já estavam dormindo. Que emoção fazer parte daquele momento. Me sentia uma rainha, uma princesa, preparando uma surpresa linda para meus irmãos.
E era assim. Falo dessa magia que parecia que naquele tempo existia e hoje... não sei se porque cresci... parece que sumiu...
Quando chegava o domingo de Páscoa e nossas caixas de sapato, enfeitadas com tiras de jornal e outras franjas de papel, acordavam repletas de ovos recheados com amendoim... que festa, que alegria, que dia... Então ficávamos sabendo que naquele dia podíamos correr, brincar, gritar, gargalhar, comer todos nossos ovos de amendoim, porque Jesus havia ressuscitado e nos dados a Salvação. Eu soltava as tranças pela rua com meus primos e primas e meus irmãos queridos. Comparávamos o tamanho dos ovos, o vermelho mais forte, o sabor gostoso do recheio. Tinha mãe que fazia de um jeito, tinha mãe que fazia de outro jeito... e a gente compartilhava trocas para que todos pudessem sentir o “sabor” diferente do amendoim.
Não tinha ovos de chocolate naquela época. Não naquela vila, perto do cemitério da cidade, onde eu morava. Naquela época, ali, não chegava chocolate. Lembro que mais tarde, na minha adolescência, no dia de Natal, os homens ricos da cidade vinham na vila com seus carros e distribuíam balas e brinquedos. Ah! Mas essa já é uma outra história...
Viu? Eu não disse? Antigamente era tudo diferente. Bom, talvez com você não era não. E isso só você pode contar... Como era na tua época? Também era tudo diferente?????