A função e o papel de uma feira do livro
A FUNÇÃO E O PAPEL DE UMA FEIRA DO LIVRO
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 16.04.14)
A função de uma feira do livro é obvia: vender livros. Assim como, numa feira de gado, o objetivo é vender gado. Numa feira de informática, vender equipamentos, acessórios, aplicativos e serviços. Uma feira de informática, pois, já não vende apenas computadores e assemelhados. Vende também ideias, conceitos, treinamento, desejos e expectativas, ou seja, amarra o seu consumidor e busca incessantemente cativar novos clientes. De início não se fala em marcas, mas em segmentos de mercado. O mais importante é que haja gente querendo comprar computadores. Ou portáteis, ou leitores de livros, ou tabuletas, ou telefones expertos. Gerada essa vontade incontrolável de possuir algo novo, moderno, recente, maravilhoso, passa-se à segunda etapa do processo: a competência das marcas intimamente relacionada aos preços de venda, que são os valores que se está disposto a pagar. Aqui já estamos falando do papel da feira de informática.
Com os livros não é diferente do que com o gado e os eletrônicos.
A própria feira de gado não vende apenas gado. Reses talvez nem sejam a maior parte dos negócios. Feira de gado que se preze venderá vacinas, remédios, unguentos, inseticidas, carrapaticidas, serviços veterinários, técnicas de inseminação artificial, de aumento da produção do leite e de incremento da geração de carne; venderá equipamentos para tratar do gado e explorar suas potencialidades, venderá formas de organização da produção, tecnologias de abate e de manejo, promoverá tantas palestras quantas puder sobre todos os aspectos envolvidos na atividade vacum, trará - pagando bem e oferecendo todo conforto possível, mesmo para gente da terra onde se realiza a feira - especialistas e conhecedores renomados, vaqueiros e fazendeiros experimentados, professores e pesquisadores gabaritados que arrebatarão pequenas multidões para suas falas, seminários, oficinas, mesas-redondas, palestras, conferências, demonstrações, colóquios, cafés da manhã e papos de corredor, tudo no sentido de enfeitiçar mais e mais gente com as belezas, inclusive as financeiras, do trato com esse tipo de bicho.
Com os livros não é diferente do que com o gado e os eletrônicos.
Sexta-feira passada estive em Joinville para participar de reunião do Grupo Gestor do Fórum Catarinense do Livro e da Leitura. O encontro se deu na sala de reunião da Reitoria da Univille. Univille é a Universidade da Região de Joinville. Estava presente gente da Universidade, do ProLer Joinville e da Biblioteca Pública Municipal Rolf Colin. A justificativa era uma: muita gente não pôde comparecer porque estava superenvolvida com a Feira do Livro da cidade.
A caminho de lá, no rádio do carro a Udesc FM Joinville "tocava" uma longa entrevista com Luiz Carlos Lacerda, cineasta e poeta carioca, um dos convidados da feira onde mais tarde palestraria e autografaria. Udesc é a Universidade do Estado de Santa Catarina, com campus ao lado da Univille.
Na feira, foi possível comprar livros de qualidade por preços extremamente convincentes. Algo como 3 livros por dez reais. "A Taça de Ouro", de Henry James, ou "35 Noites de Paixão", de Dalton Trevisan, não serão obras dignas de uma boa estante? Ou "O Dia em que Getúlio Matou Allende", de Flavio Tavares, e "Péricles, Príncipe de Tiro", de William Shakespeare, a dez reais cada, serão coisas de jogar fora? Isto é a função de uma feira do livro.
Seu papel, difundir o prazer imenso da leitura e seduzir perdidamente novos leitores.
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.
(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.
Flávio Tavares, Memórias do Esquecimento