O ANJO CAÍDO DO CÉU
- Mãe, estou indo para a musculação. Quer carona para a hidroginástica?
- Obrigada, José Felipe. Gosto de ir de bicicleta. Tchau. Vai com Deus.
Olá, minha cabrita verde! – iniciei o monólogo de sempre. – Vamos? Não. Primeiro vou pedir a proteção do alto: Maria Santíssima, cobre-nos com Seu manto. Jesus, derrama sobre nós o Seu Sangue, que rolou da cruz. Amém.
Na calçada do DNER.
- Ué?! O ciclista parou ali? - pensei. - Vou passar pela beiradinha da calçada.
- Nossa! A senhora caiu, dona! Machucou? Senta aqui no meio-fio.
- Não foi nada, moço. Por favor, ligue para este número e avise lá em casa. E rezei: Senhor Deus, ajuda-me. Faz a Sua obra em mim.
- Anna, Fabiano e eu a vimos sentada no chão e voltamos.
- Obrigada, Gelcely. Não estou sentindo nada. José está vindo por aí.
- Mamãe, a senhora está bem? - disse Gisele, apavorada.
- Estou, filha. Meu pé ficou dormente.
Nisso, parou uma caminhonete branca de cabine dupla e o motorista disse:
- Bom dia! Chegou a sua ambulância.
- A senhora conhece esse homem de branco?
- Não, filha. Nunca o vi na minha vida.
- Mocinha, sou médico ortopedista e sua mãe quebrou o tornozelo. Coloque-a no meu carro, que a minha clínica fica logo ali.
Todos se entreolharam. Meu marido chegou correndo e quebrou o silêncio:
- Meu Deus do céu!! O que você arrumou, meu bem? Está doendo?
- Não, José. O motorista está dizendo que é ortopedista e que...
- Vamos, gente! É urgente! Entrem no meu carro! O que estão esperando?
- O senhor tem Unimed?
- Tenho sim, senhora.
Quinhentos metros dali e já estávamos no Centro Médico de Bento Ferreira.
Foi tudo muito rápido. Levaram-me para tirar radiografia. Tive torção e três fraturas. Resultado: cirurgia. E agora? Eis a questão. Fechei os olhos e pedi: meu Senhor, médico dos médicos, faz o que for melhor. Graças a Deus correu tudo bem. Uma placa, sete parafusos e sem dor. Só fiquei triste de noite, quando José foi para nosso curso de informática, no SENAC. Ele foi contrariado, mas não podia faltar. Chorei escondido.
- Doutor José Fernando, o senhor é um anjo caído do céu.
- Não sou nenhum anjo e, se eu cair do céu, me esborracho todo.
- É, sim. Na hora em que eu estava no chão fragilizada, sentindo-me a menor de todas as criaturas, não poderia ter passado um oftalmologista, psicanalista, neurologista, ginecologista ou outro “ista”? Mas, não. Passou o senhor, que é cirurgião e professor na UFES.
- Isso não é nada, D. Anna. Outro dia, vi um menino pobre, capenga, pulando de um pé só, pois, sofrera paralisia e perguntei-lhe se queria ficar curado. Ele disse que sim e pedi que me procurasse no Hospital Infantil.
- E daí, Doutor?
- O guri está ótimo. Está até jogando futebol.
- E o que os seus alunos acham disso?
- Eles gozam com a minha cara todas as vezes que me atraso e dizem: aí, professor Duarte. Estava procurando um acidentado para socorrer, né?
- Doutor, que bom seria se os seus colegas fossem iguais ao senhor!