Um palácio quase em ruínas

      1. Quando eu aqui cheguei, idos de 1957, o Palácio Arquiepiscopal da Arquidiocese de São Salvador da Bahia vivia seus últimos dias de glória. Nesse belíssimo palácio, do século XVIII, funcionava a Cúria Metropolitana da Arquidiocese. Nas suas dependências ficavam os gabinetes de trabalho do arcebispo e de seus principais auxiliares. Era, portanto, a sede administrativa da Igreja Católica na capital baiana.
      2. De passagem para o Convento de São Francisco, no Terreiro de Jesus, onde morei, acho que dois ou três meses, assisti, algumas  vezes, a chegada do cardeal no que o povo chamava de Palácio da Sé.
      3. De dois, lembro-me bem: Dom Augusto Álvaro Cardeal da Silva e Dom Avelar, Cardeal Brandão Vilela. O primeiro, um homem culto, escritor, poeta, mas um prelado intransigente, radical em matéria de religião. O segundo, um padre inteligente, de boa formação cultural, e, acima de tudo, um prelado tolerante; um autêntico diplomata. O rebanho gostava de Dom Avelar, irmão do saudoso senador Teotônio Vilela.
      4. O Palácio Arquiepiscopal, no Centro Histórico de Salvador, começou a ser construído por volta de 1705, sob a orientação do bispo Sebastião Monteiro da Vide, que dirigiu a Diocese salvadorense de 1701 a 1752. Ficava pertinho da Sé antiga. Daí o nome: Palácio da Sé.
      5. Trabalhando em emissoras de rádio e jornais soteropolitanos, minha profissão de caçador de notícias levou-me a conhecer alguns empregados da Cúria. Lembro-me que todos se diziam orgulhosos porque trabalhavam no Palácio da Sé, "ao lado dos bispos, monsenhores, padres e seminaristas."
      6. Graças a esses empregados, eu tinha, com mais facilidade, acesso às notícias da Igreja, robustecendo mais e melhor os jornais falados e escritos nos quais me fazia presente como redator e copidesque, ganhando, assim, o meu pão de cada dia.
      7. Pois bem. O Palácio da Sé, de portas cerradas e já ha algum tempo, é mais um edifício importante de Salvador que, mais cedo ou mais tarde, vai virar um imenso entulho nessa cidade que pouco se preocupa em preservar seus mais significativos monumentos históricos.  
8. Vejam. Enquanto o centenário Palácio Arquiepiscopal de Salvador tende a cair em desgraça, cuidam os governantes de recuperar, gastando uma nota, irrecuperáveis e velhos casarões, no Centro Histórico.
      9. São prédios que, à primeira vista, parecem recuperáveis. Mas somente suas fachadas  se salvam. O interior desses velhos casarões, quando não estão totalmente devastados, arrasados, imprestáveis, servem de abrigo, indigno abrigo, para o pessoal - pobre gente! - sem teto. Ou escondem, o que é mais lamentável, viciados em drogas, alcoólatras, homens e mulheres derrotados...
      10. Os jornais de hoje estão noticiando que, sobre a situação do Palácio da Sé, "imóvel em crescente arruinamento", uma palestra será "pronunciada" por um acreditado e experiente historiador baiano. Nada contra.
      11. Essa palestra, se bem divulgada, ajudará muita gente a conhecer a bonita história do Palácio da Sé, e entrar na luta pela sua imediata restauração. Deus queira.
      12. Ao lado do maltratado Palácio Arquiepiscopal, ergue-se um bonito monumento - uma cruz quebrada - que recebeu o nome de Monumento da Cruz caída. Cruz caída? Que história é essa?
      13. Esse monumento, erguido em 1999, na festa dos 540 anos de Salvador, lembra a antiga igreja-Sé de Salvador, construída pelos jesuítas, em 1553, e sumariamente derrubada, em 1933, e querem saber pra quê? Para dar passagem aos bondes (de saudosa memória!) nos quais andei, tantas e tantas vezes, quando meu salário só dava para frequentá-los, rumo ao trabalho, à Faculdade de Direito e às casas das namoradas.
      14. Cuidemos, pois, para que o Palácio da Sé, mesmo tombado pelo IPHAN, desde 1938, não desapareça. Ou caindo sobre ele mesmo, ou derrubado por eventuais governantes desta cidade . Construindo-se, no mesmo local, um "monumento" qualquer, com aquela maldita placa: Aqui funcionou o Palácio Arquiepiscopal de Salvador, a primeira Diocese do Brasil. Não duvidem.
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 21/04/2014
Reeditado em 30/04/2014
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