A visita de Bud, que veio de Vermont
A VISITA DE BUD, QUE VEIO DE VERMONT
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 09.04.14)
Bud, de nome William, saiu de Vermont para visitar o filho que mora no Brasil.
Assim que soube que Nathan, o filho em questão, namorava uma garota brasileira em Nova York, ele correu até uma livraria de Middlebury à procura de títulos sobre o Brasil. Middlebury é a cidade mais próxima da sua casa. À época, Bud e a mulher viviam literalmente no mato. Haviam abdicado inclusive da energia elétrica. Na livraria, descobriu a Amazônia e ficou fascinado pela imensa floresta tropical. Naquela livraria, naquele momento, todo o Brasil resumia-se à Amazônia.
Bud leu o livro que comprara e tudo o mais (pouca coisa) que conseguiu garimpar sobre a região. Sem luz, não é muito o que se pode encontrar sobre qualquer assunto. As publicações impressas acabam por se tornar a fonte exclusiva de informação e conhecimento. Em sentido figurado, Bud mergulhou naqueles rios caudalosos, comparou as árvores que via nas fotos com as que tinha na sua floresta, soube de alguns bichos da mata e inteirou-se dos índios brasileiros, tão diversos dos peles-vermelhas.
Então sucedeu que o filho e a namorada casaram e partiram para o Brasil. Bud exultou: agora conheceria a única coisa que sabia do país que recentemente descobrira: a Amazônia. Com os dois morando no Brasil, qualquer que fosse o local escolhido, ao visitá-los ele estaria praticamente ao lado da imponente floresta. Um dia ele descobriria que, em extensão territorial contígua, o Brasil é maior do que os Estados Unidos, que nos ultrapassa em área apenas pela ajuda substancial fornecida pelo Alasca.
O novel casal foi morar em Feira de Santana, na Bahia, e Bud não veio visitá-lo. Mudou para João Pessoa, na Paraíba, e Bud não foi até lá. Então, estabeleceu-se na Ilha de Santa Catarina e Bud enfim apareceu. A Amazônia ficou longe (e cara) demais e Bud, por seu turno, também se mudara para a cidade (no caso, a própria Middlebury) e para a luz elétrica. Os tempos, pois, eram outros. Os interesses, eventualmente, também.
Em Florianópolis, Bud encontrou uma população pouco menor do que o total de todos os habitantes do seu Vermont, que soma cerca de 625 mil almas (a maioria das quais cristã, sendo os católicos o grupo religioso mais numeroso). Também encontrou muitas montanhas verdes na Ilha, o que remete simultaneamente aos 77% de cobertura do território por florestas e ao nome do estado, Vermont, batizado pelos primeiros colonizadores, os franceses, com uma descrição: "verts monts", ou seja, montes verdes.
Bud não haveria de passar pelo Estado sem descer a Serra do Rio do Rastro, aventura estonteante que efetivamente concretizou num dia de especiais clareza e transparência. Na Ilha, não cansou de conhecer praias e comer frutos do mar, o que incluiu camarão ao bafo e peixe com pirão. Como não poderia deixar de ser, saboreou um autêntico churrasco gaúcho, passando pela indefectível caipirinha - mas apenas para prová-la, pois seu domínio etílico não ultrapassa a cerveja e o vinho. Seu sonho agora é aprender a usar a tarrafa. Outro dia, invejava a perícia de um garoto de 12 anos tarrafeando na Lagoa e trazendo na rede, ali ao vivo, à sua frente, peixes de verdade.
Mas o que mais o encantou, sem dúvida, foi um local em que esteve por diversas vezes, inclusive alcançando-o a pé pela trilha que leva até o Ponto 16, um dos atracadouros dos barcos que ali fazem as vezes de ônibus: a Costa da Lagoa.
- Ainda vou comprar uma casa aqui! - proclama maravilhado um Bud de 72 anos.
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.
(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.
Flávio Tavares, Memórias do Esquecimento