MALA

MALA

O tempo com certeza seria camarada ,e acolheria a urgência que me motivou a deixar o carro descansando na garagem e tomar um taxi para agilizar o desembarque, em local onde coisas importantes aguardavam-me, coisas que ocupavam naquele instante integralmente os meus neurônios.
E de dentro do taxi observei uma cena que me mostrou o quanto é relativo o tempo, o quanto é relativa a importância das coisas.Fiz uma viagem dentro da viagem, loucuras de poeta!
Uma moça, beirando talvez trinta e cinco anos de idade, sentada... sentada em uma mala enorme, velha, verde e rasgada...A mala estava a alguns centímetros do meio da rua, e a moça lá ...sentada...
No primeiro segundo da minha visão, fiquei imaginando que ela pudesse estar esperando alguém para viajar, e logo meu pensamento a censurou: por que logo ali? Depois olhei com mais calma, e agora já me censurava , por lhe ter censurado.
Estava a moça, sentada, de olhos fechados em cima da mala... Trazia algo em suas mãos que não consegui ver...então imaginei....um terço? Um amuleto? Ou quem sabe restos de bebida ou de algum alucinógeno.... Não sei explicar o porque, mas nos olhos fechados da moça , enxerguei a tristeza dos seus olhos ...Sua desilusão diante da vida.... Uma tristeza tão profunda,que mexeu com as minhas tristezas que dormiam, e chorei....
Por alguns segundos hesitei,quis parar ,estender-lhe a minha mão...Quem sabe poderia causar-lhe alguma alegria... Mesmo com alguma piada sem graça,ou simplesmente com um bom dia?Quem sabe antes de abrir os olhos aquela tristeza já tivesse se dissipado...quem sabe?
Manifestei a minha intenção, e o motorista do taxi alertou-me “Hoje a gente tem que ser frio, não dá mais pra socorrer ninguém porque sobra pra gente”e continuou a sua marcha...
Como pude me deixar tombar por palavras de medo diante daquele olhar de tristeza?Talvez o motorista não tenha visto o mesmo que eu vi... Eu me vi ali, de certa forma....
Enxerguei toda a bagagem emocional que muitas vezes na vida não tive onde colocar, e que cabiam em uma mala... maior que a da moça!Enxerguei a os sentimentos que muitas vezes tive que sufocar , numa mala...maior que a da moça! Relembrei das mãos que abriram os meus olhos quando eu pensava que fechá-los abriria o meu mundo...
Mas de todas as lembranças ,uma me fez mudar o rumo : pagar o taxi, e pagar pra ver... Foi quando lembrei-me da última vez que chorei sozinha, para dentro de mim,com uma mala do tamanho do mundo...E contei com um mundo menor que a mala... da moça!
Pobre moça,não mais estava lá...Pobre poeta não fez poesia na vida!
Conceição Castro
Enviado por Conceição Castro em 18/04/2014
Reeditado em 18/04/2014
Código do texto: T4774165
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