Sozinho e desnutrido

Que ela era teimoso todo mundo já sabia. Mas bem que podia ter aceitado o convite da ex-mulher. Porque ela ficou sabendo da sua doença e se ofereceu para cuidar dele. Disse que, se quisesse, podia voltar para casa e tudo. E já fazia muito tempo que os dois estavam brigados. Desde então ele morava com a família da irmã, no outro lado do rio. Pois chegou até lá a notícia de que a ex-mulher se oferecia para ajudá-lo. Mas ele disse que não precisava, que já estava de consulta marcada na capital. Não quis, portanto, voltar a morar com a antiga mulher e seus filhos. Dali a alguns dias, realmente viajou para a capital, em companhia do cunhado. Viajou e nunca mais voltou.

Foi logo internado em um hospital da Santa Casa. O cunhado, que era pobre e precisava trabalhar, não podia ficar na cidade por muito tempo e tratou de voltar para casa. De modo que ele ficou internado sozinho, sem a companhia da família. A ex-mulher ficou sabendo da história, mas era ainda mais pobre e não tinha condições de visitá-lo. Ela não podia nem mesmo ter notícias a seu respeito, porque naquele tempo os meios de comunicação eram precários.

O jeito foi esperar a próxima viagem do genro, que de vez em quando ia a trabalho para a capital. Na sua próxima ida, passou no hospital e perguntou sobre o doente. Descobriu que ele ainda estava internado. E continuaria no mesmo lugar nas visitas seguintes, feitas com intervalos consideráveis, pois a vida era dura para todo mundo. Até o dia em que o genro chegou ao hospital, disse o nome daquele que procurava e foi informado de que ele já havia falecido há dois meses.

Morreu sozinho e desnutrido. Seu registro de óbito já havia sido feito, sem que ninguém na ocasião soubesse informar se aquele homem era casado ou tivera filhos. Foi enterrado sem qualquer tipo de cerimônia ou identificação do túmulo. E o genro então voltou para casa a fim de avisar a família do morto. Assim me contou a filha, assim fiquei sabendo sobre este bisavô.