Esmereciano e as Copas do Mundo - parte IV

Voltamos à nossa entrevista sobre o futebol brasileiro com o Senhor Esmereciano Paranhos de Andrada.

Laércio: “No seu entender, senhor Esmereciano, como deveria ter sido formada a seleção para a Copa de 1950”?

Esmereciano: “A seleção Brasileira de 1950 deveria ter sido formada pelos melhores jogadores em atividade na época, no Brasil. Como o Vasco da Gama era considerada a melhor equipe do Brasil a Seleção foi baseada no clube cruzmaltino de São Januário. Até reservas do Vasco foram convocados no lugar de convocarem bons jogadores de outros clubes. Senão vejamos: perdemos para o Uruguai com Barbosa, Augusto e Juvenal, Bauer, Danilo e Bigode, Friaça, Zizinho, Ademir de Meneses, Jair da Rosa Pinto e Chico quando poderíamos ter: Barbosa, Djalma Santos e Mauro Ramos de Oliveira; Bauer, Brandãozinho e Nilton Santos; Cláudio Cristóvão do Pinho, Zizinho, Ademir de Meneses, Jair da Rosa Pinto e Simão ou Rodrigues. Analisando friamente, embora o futebol não seja uma ciência exata, se quisermos que ele fica cada vez mais imprevisível basta fazer uma sequencia de besteiras, como as que foram feitas na época. Qualquer técnico com autonomia teria colocado em campo o que de melhor tínhamos no Brasil. Djalma Santos, Nilton Santos, Cláudio Cristóvão do Pinho, Simão ou Rodrigues nunca poderiam ter ficado de fora da Seleção se pretendíamos ser os campeões mundiais em 1950. Mas deu no que deu e a história teve de registrar aquela sequencia de aberrações às quais o povo brasileiro teve de assistir”.

Laércio: “Passando para a Copa de 1954, o que o senhor poderia nos contar”?

Esmereciano: “Após o fracasso no Maracanã, em 1950, veio a Copa de 1954, na Suiça. A FIFA completaria 50 anos e a Copa seria no país sede dessa entidade, a Suiça. Mais uma vez o Brasil aprontou. A CBD convidou Zezé Moreira, antigo médio direito do Botafogo F.R. nas décadas de 30 e 40, para o comando técnico de nossa seleção.

Nesse tempo Zezé estava em evidência e treinava o Fluminense F.C., do Rio de Janeiro. Havia ganho um campeonato Pan-Americano, disputado no Chile em 1952, torneio de pouca expressão. Zezé pediu para sair depois desse campeonato. Em 1953 o irmão de Zezé Moreira, Aimoré Moreira foi escolhido pela CBD para técnico da seleção. Porém não teve muito sucesso no Sul-Americano no Peru e mais uma vez trocamos de técnico. Voltou Zezé Moreira que deixara o cargo quase dois anos antes, porque os esportistas não apoiavam o seu modo de fazer jogar o time. Muito retrancado e jogando feio, como foi constatado nas eliminatórias contra Chile e Paraguai. Ganhamos mas jogando mal e feio.

Laércio: “Como foi montada nossa Seleção? Os melhores jogadores foram lembrados”?

Esmereciano: “Mas então, ai é que vieram os problemas. Dos titulares de 1950 só jogou Bauer, na copa de 1954. Poderíamos ter formado uma seleção imbatível com os dois laterais Djalma Santos e Nilton Santos, com Pinheiro, o melhor zagueiro central do Brasil na época. Tínhamos Julinho Botelho, excelente ponteiro direito e Rodrigues muito bom ponteiro esquerdo. No gol titular certo era Castilho. Ai tinha Zizinho (jogando muito bem no Bangu), Ademir de Meneses sempre em ótima forma, artilheiro no Vasco da Gama, e Jair da Rosa Pinto, ainda esbanjando categoria no Palmeiras. Mas devido ao fato do Brasil ter perdido a copa de 1950, nenhum desses três jogadores foi convocado. Eles foram covardemente barrados de todas as seleções futuras que se fizessem no Brasil. E eles nada tinham a dever pois a seleção de 1950 tinha vários jogadores que não poderiam estar ali como Barbosa, Augusto, Bigode, Alfredo, Chico, Juvenal. Daquela seleção, dos que jogaram, poderíamos salvar (além dos 3 barrados em 1954) apenas Friaça e Danilo.

Em 1954 jogamos e perdemos mais uma vez. A crônica especializada se encarregou de banir jogadores excelentes, ainda em ótima forma, verdadeiros craques em grande forma e com experiência. Então fomos a Suíça com Castilho, Djalma Santos, Pinheiro, Bauer, Brandãozinho e Nilton Santos, Julinho Botelho, Didi, Baltazar, Pinga e Rodrigues”.

Esmereciano: “Sr Laércio, falei tanto de seleções que me esqueci que o senhor poderia querer pergunta mais coisas”.

Laércio: “Não, senhor Paranhos. O senhor me disse tudo o que gostaria de saber. Mas diga-me uma coisa. Zizinho, Ademir e Jair eram muito melhores do que Didi, Baltazar e Humberto, Pinga e outros?”

Esmereciano: “Melhores em tudo. Em 1954 estavam em plena atividade. Zizinho foi, até o aparecimento de Pelé, o melhor jogador brasileiro. Quem afirmava isso eram os cronistas argentinos que o consideravam o melhor jogador da América do sul junto com o fabuloso Adolfo Pederneiras, centro avante argentino que armava o jogo e ainda fazia muitos gols. Assim, sobre Zizinho está dito tudo.

Ademir de Meneses, centro avante do Vasco da Gama, pernambucano que começara no Sporte Recife, era rápido, forte, inteligente, artilheiro nato. Sabia jogar em todas as posições do ataque, ainda esbanjando vitalidade em 1954. A comissão técnica de 1954 preferiu levar Humberto, índio, Baltazar e outros, e Ademir foi esquecido.

O que falar de Jair da Rosa Pinto, o maior meia esquerda que o Brasil teve, de 1940 a 1954? Jair ainda jogou muito tempo no Palmeiras, vindo do Flamengo em 1949. Ele jogou até 1955 no time alviverde. Era sempre o “coice de mula”, era esse o apelido de seus potentes chutes. Era um jogador clássico. Dava passes de 50 metros sem olhar e colocava os seus companheiros na frente do gol. Seus lançamentos eram uma pintura. Cansou de consagrar centro avantes como Pirilo, no Flamengo, Isaias, no Vasco da Gama, Aquiles, no Palmeiras e mesmo Humberto, do São Cristóvão que ficou celebrizado no Palmeiras, sempre com Jair ao seu lado. Em 1954, Jair jogava com Julinho e com Rodrigues no Palmeiras. Na seleção de 1954, se Jair estivesse presente, com Julinho à direita e Rodrigues na esquerda seria certamente a melhor linha que o Brasil poderia ter formado na época.

Porém, quem influenciava na comissão técnica da seleção eram muitos cronistas rancorosos, supersticiosos, sem critério. Então, Zizinho, Ademir e Jair não foram á Copa da Suíça. Foi mais um fiasco do nosso futebol, que sempre foi um dos melhores do mundo”.

Laércio: “O senhor não sentiu alguma coisa que tivesse acontecido após a perda da Copa que pode ter servido para o futuro do nosso futebol?”

Esmereciano: “Quando a partida contra a Hungria (que tinha formado um dos melhores quadros de todos os tempos, é bom que se diga) terminou eu tive a sensação de que todas as besteiras, invejas, mediocridades, falsidades e prepotência tinham acabado ali, ou deveriam ter acabado.

Era como se uma longa e tenebrosa noite estivesse acabando e já se vislumbrassem os primeiros lampejos da aurora surgindo, e o futuro do futebol brasileiro se apresentasse mais venturoso. Parecia que estávamos acordando de um pesadelo e o futuro seria muito bom, o que realmente iria acontecer por um bom tempo, pelo menos até depois de 1962”.

Percebendo que o sr Esmereciano estava bem entusiasmado, mas já cansado, paramos a entrevista para voltar no dia seguinte para perguntar alguma coisa sobre outros assuntos, além do futebol.

Laércio
Enviado por Laércio em 17/04/2014
Código do texto: T4772413
Classificação de conteúdo: seguro