VIVO HOJE COMO SE HOUVESSE AMANHÃ, DEPOIS DE AMANHÃ, MÊS QUE VEM, ANO QUE VEM...
Quando leio a célebre frase “Viva hoje como se não houvesse amanhã” fico apavorado, me dá vontade de tomar um Lexotan urgente. Fico pensando, se não houvesse amanhã eu teria que usar minhas últimas vinte e quatro horas para fazer tudo o que ainda não fiz. Realizar sonhos antigos, em versões recicladas, necessariamente, e outros sonhos que ainda nem terminei de sonhar direito. Imagina tentar resolver todas essas pendências num só dia. Que loucura! Teria que extrair cirurgicamente minhas mágoas com alto risco de não sobreviver e depois sacar alguns perdões imaturos para colocá-los no carbureto. Parir, prematuramente, alguns amores ainda sem identidade, precipitando-os à sorte das incubadoras de moscas, para gerar relacionamentos frágeis, condenados à morte em um dia. Desvencilhar-me de velhos hábitos, frutos das minhas neuroses, adquirir novos hábitos virtuosos que só ficaram na vontade. Posconceituar meus preconceitos, desprocrastinar o enfrentamento dos meus medos, retardar meus anseios frustrantes, dessonhar sonhos ruins, resolver meus conflitos, sair das minhas crises e completar meu eu inacabado. Teria que ler mais livros, escrever mais poesias, dar presentes, fazer as declarações de amor que não fiz ou que fiz insuficientemente. Tensionado da aurora ao arrebol, da graça da Lua ao seu último adeus, não descansaria um segundo. Que dia!
Além disso, quero aprender a falar inglês, francês, italiano, espanhol, libras, japonês e mandarim, conhecer meio mundo e construir uma creche e um asilo para idosos. Tudo hoje, caso não haja amanhã.
Não, não e não! Quero viver sempre na certeza que haverá amanhã, depois de amanhã, mês que vem, ano que vem, etc. Quero viver no ritmo da existência, bailar à melodia dos processos naturais da vida, contar uma história quente, acontecida na fornada deste mundo, e não virtualmente forjada no micro-ondas de uma sociedade fast-food maluca. Quero viver meus sonhos passo a passo, escrever a novela da minha vida capítulo por capítulo, poetar verso a verso, consistentemente, pacientemente, conscientemente.
E quando eu definitivamente adormecer, serei para sempre só... um sonho.