O TERRÍVEL INIMIGO DO MEU PAI

O medo era tanto que as veias desapareceram do corpo de meu pai.

A pneumonia é uma doença inflamatória no pulmão, que ainda hoje, se não tiver os cuidados adequados, o paciente pode esticar as canelas para sempre. Naquele tempo, única saída era a cama e muitas agulhadas na carcaça com penicilina. As agulhas eram grossas, fazendo um rombo filho de uma puta na pele, e o medicamento era cruciante para caralho mesmo.

Todo mundo tinha, e por certo, ainda hoje tem medo da famigerada injeção.

Meu pai, que hoje goza tranquilo seus noventa e nove anos, lá pelos idos da maldita segunda guerra, cabo reformado pelo exército, era um destemido e corajoso desbravador. O mundo para ele era pequeno e nada o amedrontava. Nada mesmo o fazia tremer de medo. Homem simples do campo, mas de objetivos bem definidos, corria atrás do que queria. De boa leitura e sempre bem informado, conseguia alcançar com sucesso o que pretendia.

A vida é uma luta, às vezes inglória para muitos, mas para este homem, virtuoso, temente a Deus, corajoso, a vida sempre foi de muitas vitórias.

- Eu tenho medo dessa guerra! Dizia chorosa minha mãe para ele.

- Mas medo do que, minha nega? Dizia meu pai afagando carinhosamente minha mãe.

- Que te levem para lá!

Um minuto de reflexão, e então meu pai dizia:

- Estamos na mão de Deus!

Meu pai não foi para guerra, mas enfrentou um inimigo muito mais cruel; Acabou adquirindo a cruel e famigerada pneumonia.

Ele não tinha medo da guerra, dos desafios que a vida lhe apresentava, mas da maldita agulha da injeção isso era terrível para ele.

Uma bala de canhão não era tão violenta e destruidora quanto uma agulha de injeção.

Esta guerra contra a pneumonia ele venceu recebendo muitas cutucadas de injeção.

Eu até acho que não foi a dita penicilina que o curou, mas o medo do monstro chamado injeção.

Este homem forte, valoroso, destemido, sempre pronto para qualquer desafio, quando se defronta com a terrível agulha de injeção, se transforma numa medrosa criança, como se tivesse vendo um fantasma.

Nos procedimentos finais do tratamento ele precisou tomar uma série de injeções intravenosa de cálcio. Único médico que ele confiava era o doutor Enzo Bonato. Doutor Enzo além de médico deveria ser um mestre em hipnose, pois aplicava no meu pai as injeções na veia sem muitas delongas.

Um dia meu pai foi até ao consultório para tomar uma das últimas injeções e lá não estava o Doutor Enzo, estava seu irmão doutor Hélio.

- Francisco, pode entrar!

Meu pai olhou para ele com um olhar de vítima condenado a forca, e num esforço supremo sussurrou:

- Eu espero o doutor Enzo!

- Ele não virá hoje, e pediu para que eu aplique a injeção! Pode vir!

Meu pai adentrou o consultório como quem vai ao encontro do pelotão de fuzilamento. Lá estava o terrível inimigo dele! A maldita agulha.

- Fique calmo que não vai doer nada! Vai ser uma picadinha de formiga.

A agulha, na ponta da seringa, parecia maior que o braço do médico para meu pai. Olhou, aquela coisa enorme, angustiado de tal forma que as nádegas se contraíram prendendo a forração da cadeira.

O medo era tanto que as veias desapareceram do corpo de meu pai.

Doutor Hélio fez um garrote no braço do meu pai tentando encontrar a veia. Friccionou diversas vezes e nada do vaso sanguíneo aparecer. Tentou ser engraçado contando piadas para que ele se descontraisse, mas em vão.

Meu pai suava a cântaros. O suor caia em abundância formando enxurrada pelo piso do consultório.

E o homem forte, valente, varonil estava fragilizado diante de uma agulha.

E nada da veia!

Mas nada pode se esconder em definitivo.

E a veia, finalmente, trêmula, pedindo clemencia, aparece no braço descolorido do meu pai.

Doutor Hélio aproveita a oportunidade e crau!

A agulha levemente tocou o braço, e que foi o suficientemente para meu pai ser nocauteado. Despencou feito um saco de batata desmaiado ao chão.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 13/04/2014
Código do texto: T4767597
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