Esmereciano e as Copas do Mundo - parte III
Passados dois dias de nossa última conversa, voltei ao escritório do sr. Esmereciano Paranhos de Andrada para retomarmos a sequencia de perguntas que estava fazendo a ele, sobre as Copas do Mundo.
Laércio: “Nesse período de 12 anos sem copas do mundo (1938 a 1950) o que o futebol brasileiro apresentou?”.
Esmereciano: “Boa pergunta, Laércio. Nesse período jogávamos as Copas Rio Branco, contra o Uruguai e as Copas Roca contra a Argentina.
Era em todo ano. Além dessi, disputamos campeonatos Sul-americanos, todo ano em um país diferente. Enfrentamos a maior safra de jogadores argentinos de todos os tempos.
Os argentinos, naquela época, poderiam formar três fortíssimas seleções. Para simplificar, o certame Sul-americano de 1945 aconteceu no Chile, e como sempre tinha dar Argentina, Brasil ou Uruguai.
O Brasil tinha uma seleção muito boa. Vencemos todos os nossos adversários e fomos disputar a final contra a Argentina.
Um grande clássico, o maior da década de 40. Dia 14 de fevereiro de 1945. Estádio nacional de Santiago lotado com cerca de 65.000 espectadores. Juiz Nobel Valentini, do Uruguai.
As duas seleções invictas se enfrentando. O Brasil formou com Oberdan, Domingos da Guia e Beliomini; Biguá, Ruy e Jaime de Almeida; Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair da Rosa Pinto e Ademir de Meneses. Segundo o historiador Tomás Mazzoni foi a melhor seleção do Brasil, de 1940 a 1950. O comando da seleção era de Flávio Costa, que quando não havia interferência em seu trabalho, fazia coisas boas. Mas batemos de frente com a Argentina que tinha um manancial de craques e ainda exportava muitos jogadores para clubes brasileiros, uruguaios e chilenos.
A Argentina, sob o comando de Guilhermo Stábile formou naquela data com Ricardo, Salomon e De Zorzi; Sosa, Peruca e Colombo; Munhóz, Mendez, Pontoni, Martino e Lostau.
Final: Argentina 3 x 1 Brasil. Uma partida para entrar na história.
Como a segunda grande guerra terminou em 1945, a FIFA iria realizar uma copa do mundo, no pós-guerra, em 1950. Existiam dúvidas quanto ao local, mas sabia-se que seria na América do Sul. Haviam dois fortes candidatos: O Brasil que havia prestigiado a FIFA em todas as oportunidades, estando presente em 1930, 1934 e em 1938, e a Argentina, vice-campeã de 1930, e que segundo dizem iria sediar a copa de 1938 que acabou sendo preterida em favor da França, de Jules Rimet”.
Laércio: “E quem foi escolhido para sediar a copa de 1950”?
Esmereciano: “O Brasil foi o escolhido. Talvez pela greve dos jogadores argentinos que eclodiu em 1948, esfacelando suas principais equipes, segundo cronistas argentinos da época. Talvez isso tenha influído na escolha da FIFA. Muitos craques argentinos foram para a Colômbia que havia organizado uma liga “pirata”, não reconhecida pela FIFA”.
Laércio: “O nosso preparo para a copa de 1950 foi o ideal”?
Esmereciano: “Não. Foi construído o Maracanã, que era necessário, pois todos os grandes jogos no Rio de Janeiro aconteciam no estádio de São Januário, do C. R. Vasco da Gama, além de jogos em Moça Bonita (Bangu A. C.), Figueira de Mello (São Cristóvão de F. R.), nas Laranjeiras (Fluminense F. C.), em Caio Martins (Canto do Rio F. C. , de Niterói) e na Gávea (do C. R. Flamengo) e em General Severiano (Botafogo F. R.).
Em São Paulo a prefeitura havia construído o Pacaembu, em 1940. E nos outros estados não me recordo de terem erguido estádios monumentais como os que a FIFA está exigindo agora. Independência, (do Sete de Setembro, em Belo Horizonte), Durival de Brito (do Ferroviário de Curitiba), Estádio dos Eucaliptos (do Inter de Porto Alegre) e Ilha do Retiro (do Sport Recife). Essas foram as sedes do mundial no Brasil, em 1950.
Laércio: “Foram convocados os melhores jogadores para a nossa seleção disputar a copa de 1950”?
Esmereciano: “Não. Mais uma vez a política, o bairrismo e interesses secundários impediram que os melhores jogadores fossem convocados para o mundial de 1950. Em 1949 o campeonato sul-americano foi aqui no Brasil. Vencemos com muita facilidade pois a Argentina não veio, devido a seus problemas de greve no futebol e debandada de seus melhores jogadores para a Colômbia. O Uruguai veio e trouxe uma equipe de jovens.
Nesse sul-americano, nossa seleção tinha como base a equipe do Vasco da Gama. Em algumas partidas até 6 jogadores do Vasco jogaram juntos. Apenas para comparar as seleções vamos a elas: 1949 Barbosa, Augusto e Mauro; Eli, Danilo e Noronha; Tesourinha, Zizinho, Ademir de Meneses, Jair da Rosa Pinto e Simão. A que perdeu na final de 1950, contra o Uruguai formou com Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir de Meneses, Jair da Rosa Pinto e Chico.
Perdemos do Uruguai por 2 x 1 quando apenas o empate seria suficiente para ganharmos o título. Devemos frisar que Friaça abriu o placar para o Brasil, já no segundo tempo, mas o Uruguai, com Schiafino e Giggia fez os gols da virada que lhes deu o título mundial em pleno maracanã.
O Sr. Flávio Costa deixou de fora as revelações do campeonato sul-americano de 1949 como Mauro Ramos de Oliveira, Simão, Noronha, Cláudio. Depois da derrota na final, a culpa recaiu apenas no goleiro Barbosa. As aberrações feitas pela comissão técnica foram tantas que não poderia acontecer outra coisa mesmo. Por exemplo, na lateral direita o melhor jogador era Djalma Santos que desde 1947 jogava na Portuguesa de Desportos. Na lateral esquerda, o melhor era Nilton Santos, grande revelação do Botafogo F. R., campeão carioca de 1948. Na ponta direita, com a contusão de Tesourinha bem antes da copa, o melhor era Cláudio Cristovão do Pinho, disparado o melhor ponteiro direito do Brasil. Mas a crônica esportiva da capital federal influenciava na escalação da seleção e deu no que deu.
Laércio: “Algum motivo extra campo influencio para o resultado obtido pelo Brasil na copa de 1950”?
Esmereciano: “Sim, sem dúvida. A seleção, na véspera da partida decisiva deveria ter se concentrado num local tranquilo, bem isolado, em alguma estância serrana, perto do Rio de Janeiro. Mas ao invés disso ficou na cidade e segundo cronistas comprometidos com a verdade, sujeita a jantares tarde da noite, entrevistas a todo momento, fotos com políticos da época. Enfim, o repouso dos craques foi embora, levando com ele a Copa do Mundo de 1950.
E como o cronista Geraldo Bretas dizia, os deuses dos estádios se vingaram diante de tantas coisas negativas”.
Como estava na hora do almoço do senhor Esmereciano, resolvi propor a continuação da entrevista no dia seguinte. Ele prontamente aceitou.