A FRUTA DO PECADO

Não, amigo leitor. Não é a maça. Gosto muito de maça, mas agora o pecado é outro e portanto outra fruta. Meu motivo para escrever é simples, estou feliz, dei-me um agrado. Coisa simples, mas pela qual ansiei por longos meses. O pecado a gula. Meu presente: uma caixa de caqui.

Fruta maravilhosa é o caqui. Vermelho, cor de pecado, lembra-me cor de beijo, textura de lábios, liso, escarlate, doce, frágil, macio, suculento... Irresistível.

Não me contento com uma única fruta. Sou voraz, quase trágico, detono uma caixa inteira. Aprecio sem moderação, sendo natural imagino que o excesso não tem restrições. Saudável acima de tudo. E se é saudável só pode fazer-me bem, afinal nunca vi ninguém dizer “Não coma muita alface porque isso faz mal” ou ainda “Pare de comer cenouras menino! Isso engorda”. Nunca ouvi. Nunca! Ao contrario, qualquer nutricionista recomenda frutas e verduras a vontade. Estou perdoado do meu pecado. A vontade é grande, a gula imensa, entrego-me a esse capricho que nutre o paladar, o corpo e a alma.

Esperei pela safra de caqui por meses seguidos, todo ano a mesma coisa. O verdureiro que vem ao meu bairro semanalmente com sua Kombi repleta de frutas, atende e entende minhas solicitações “Ainda não tenho caqui, não é época”. Volto pra casa carregando minha sacola de frutas: laranja, banana, maça... Frutas tão medíocres que sequer faltam na feira. Compradas o ano inteiro, parece não obedecer a safras. Minha frustrante sacola tem tudo, menos a mais esperada, a mais cobiçada. Sigo meu caminho, com uma lição: nem tudo é como a gente quer. Controlo minha ansiedade. Arregaço as mangas, ergo a cabeça. Tenho mais uma semana de espera. Esperança. Minha felicidade cabe numa sacola.

“Semana que vem eu trago senhor”. Não esperei. Mandei as favas o controle de minha ansiedade. Vai que algo me acontece. Quero ser feliz hoje. É meu direito depois de uma semana de stress. Peguei o carro e rodei os supermercados vizinhos. Encontrei. Meu coração dispara, meus olhos brilham. Já não sei se pareço um caçador ou um homem apaixonado. Talvez até mesmo um viciado. Não me importo. Não me cabe analises existenciais diante do instinto. Trouxe uma bandeja da fruta. Doze caquis vermelhinhos, escolhidos com o esmero de quem compra uma joia. No caminho pra casa namorei meu tesouro por cada segundo resistindo a tentação de come-lo sem prevenção. Deve ser lavado, pode ter micróbios ou ainda excesso de produtos tóxicos que servem para me seduzir e deixa-lo grande e gostoso.

Mais tarde, descubro numa eventual pesquisa na internet que o nome cientifico dessa fruta tem Deus no nome. É um sinal divino. Certas coisas, objetos, comidas tem mesmo um caráter sagrado. O nome da fruta: Diospyros kaki. Juro! Pode consultar. É uma fruta realmente determinada por Deus para me enlouquecer.

Deixo avisado, amigo leitor, que me refiro ao caqui doce, o mais parecido com tomate. Eu que comi tomate com sal minha vida inteira, saboreava-os inteiros como se fosse uma maça estava mesmo predestinado ao caqui. Espera leitor, estou limpando os beiços. Fiquei com água na boca.

Como dizia, refiro-me ao caqui doce. Existe também o amargo que não sei o motivo é chamado de chocolate (será um sacrilégio?). Esse é o caqui que prende a boca como um veneno, sabor de fel. Entendo que é assim, para dar-me mais uma lição. A vida é assim, existe o bom e o ruim. É preciso manter o equilíbrio.

Deixo o equilíbrio para a criação divina, Ele deve ter um motivo para isso. Quanto ao meu equilíbrio psicológico, esquece... Vou comer mais uma caixa, na minha geladeira tenho uma reserva. O meu pecado: a gula, ou acabar com o estoque e deixar uma senhora brava quando voltamos a nos encontrar no caixa. Pude ouvir seus pensamentos: “Esse moço pegou todos, poderia ter me deixado uma caixa”. Não me importo. Preciso ser feliz hoje. Vou parar de escrever essas linhas e buscar mais um. Alguém quer?