"ESSE CARA SOU EU"
“ESSE CARA SOU EU”
Somos levados a crer que, ao considerarmos as críticas depreciativas generalizadas, certamente, um dos comerciais televisivos, que vem sendo objeto das mais controversas celeumas, traz a imagem carismática do ‘rei’ Roberto Carlos ao propagandear a qualidade da carne bovina, beneficiada pelo frigorífico Friboi.
O grupo JBS, o maior produtor de carne do mundo, é responsável pela contratação de Roberto Carlos para estrelar a campanha, que também conta com a participação do ator ‘global’ Tony Ramos. O filme com o ‘rei’, uma criação da agência Lew’Lara/TBWA, mantém o slogan “Friboi, carne confiável tem nome” e foi produzida pela Conspiração Filmes. Deduz-se, obviamente, que carnes outras, que não da Friboi, por não terem nome, deixam de merecer confiabilidade.
A repercussão, em todos os níveis, sob o ponto de vista ético, não alcançaria as proporções atingidas, quer nos crer, não fora a participação de conceituada personagem do mundo artístico, idolatrada pelo talento, expresso em composições que se eternizam, em especial, na sensibilidade feminina.
Deixemos de lado, isto porque já foi fruto de muitos artigos e declarações, o divulgado valor de 25 milhões de reais, creditados a quem é detentor de invejável patrimônio, bem como o fato de sistematicamente afirmar ser vegetariano (veggie), declarando-se contrário à ingestão de carnes, notadamente vermelhas, em favor de uma alimentação saudável, baseada em vegetais.
O que nos causa espécie, e assim o sendo declinamos nossa insciência, reside na forma e na estrutura como a mensagem se processa do emissor ao receptor. Revelando, com a devida vênia, incoerência não apenas na linguagem, como também nas discrepantes nuances comportamentais.
Distintos de outros veículos, as emissoras que operam com imagem e som devem propalar suas mensagens, evidenciando a criatividade numa linguagem breve, sucinta, simples e objetiva. Embora sejam fundamentais, vivemos numa época em que não queremos perder tempo nem mesmo com o essencial, quiçá com detalhes. Cerramos os olhos aos textos e nos limitamos, superficialmente, ao ‘roda-pé’. A propaganda inteligente até dispensa o recurso da comunicação oral. Ela fala por si só, sem que os lábios se movam.
Bem o sabemos, e é imperioso que o seja, terem as mais conceituadas agências publicitárias, inclusive internacionais, a ilha de criatividade e produção sediada nos grandes centros do país. Naturalmente contando com o concurso de iluminados profissionais, regiamente pagos a peso d’ouro. Ao término do período anual, divulgam-se as melhores peças, laureadas com o mérito da engenhosidade. E vejam que temos conquistado, no concerto mundial, honrosos prêmios e indicações.
O comercial exibe Roberto Carlos, o filho Dudu e a esposa, o empresário Dody Sirena e esposa, portanto cinco pessoas. O garçom serve um prato com massa ao cantor e carne com aspargos ao empresário. Surge-nos a primeira dúvida: há cinco pessoas à mesa, duas são servidas, as outras já foram, serão oportunamente, ou talvez estejam ali como meros figurantes? As senhoras, que deveriam, por educação e respeito, serem as primeiras a merecer a atenção do garçom, não foram nem mesmo cumprimentadas. Pelo visto, não se sabe se os três coadjuvantes são vegetarianos ou partilham do sabor de uma ‘boa carne’. O curioso é que Roberto Carlos, ‘ao voltar a comer carne’, delega a alimentação saudável ao empresário. A equipe que participou da gravação afirma que Roberto nem mesmo tocou na carne, menos ainda degustou-a.
Habitualmente, o profissional que registra os pratos escolhidos é o mesmo que os encaminha aos solicitantes. Ora, que garçom anotou o pedido, já que quem o trouxe desconhecia o novo procedimento alimentício do rei? Saliente-se ainda que nos estabelecimentos, independente da sofisticação, após a consulta ao cardápio, a escolha é trazida em pratos e travessas. Somente em restaurantes populares recorre-se ao ‘prato-feito’, o que nos parece inviável, ao atentarmos às instalações e à ‘nobreza’ dos clientes e da empresa JBS.
– " Não , o meu prato é aquele ali", reclama o rei.
– "Você voltou a comer carne, Roberto?", questiona o garçom.
– "Voltei! Mas essa carne é Friboi", responde ele. Nesse momento, começa o refrão da música "O Portão", com "eu voltei, agora pra ficar".
Quem se fixa, atentamente, no comercial, percebe que Roberto Carlos, hesitante como se estivesse violentando um princípio moral, afirma ao ser inquirido: ‘mas a carne é... e o garçom, sorridente declara: ‘É Friboi’. Embora não degustando a carne, nem mesmo após a gravação do comercial, Roberto Carlos ratifica que é Friboi, por certo com o faro e o olhar aguçado de um profundo conhecedor de carnes.
A pergunta formulada pelo garçom‘ “Você voltou a comer carne, Roberto?” evidencia que o intérprete já o fizera em outras oportunidades. O emprego do pretérito perfeito do indicativo (voltou) consagra a repetição do ato. Do contrário, e parece-nos que seja essa a idéia, caracterizando a oportunidade como primeira, após a abstinência de carne por 30 anos, o verbo deveria ser: “Você vai comer carne, Roberto?” É concludente que a inquisição deveria ter sido feita quando do pedido. E nosso estimado açulador de ‘emoções’ priva seus quatro parceiros de deglutirem, segundo o afirmado, uma carne de/com nome.
Se o objetivo era divulgar o nome do produto e, por consequência aumentar o número de consumidores, cremos que não se deva colocar no mesmo pote a carne e o ‘rei’. Os amantes de uma ‘costela’ gorda, não se deixarão seduzir. Acreditamos que a divulgação, valendo-se de alguém que estivera distante de carnes por 30 anos, pode beneficiar ou depreciar. Respeitando os mentores da mensagem, julgamo-la não só inadequada, assim como paupérrima no mecanismo operacional.
É...meus irmãos, camaradas, se existe alguém que ficou indiferente ao consumo, e lastima a condução do comercial...”ESSE CARA SOU EU”.
Jorge Moraes - jorgemoraes_pel@hotmail.com - abril de 2014