Caríssima Prima Alice Gomes

Recebi sua carta. Comecei a dedilhar o teclado para retribuir sua carta com outra carta, no entanto ando desconfiado que outras pessoas lêem as cartas que trocamos. Resolvi então escrever esta, digamos, crônica. Mesmo que alguém além de você venha a ler essas mal traçadas linhas talvez não entendam nada, sei que você entenderá.

A letra da música que veio com sua carta me fez lembrar de um capítulo da minha vida.

Eu conhecia umas meninas nos anos 1970, na verdade conhecia a família, éramos vizinhos. Pai mãe e duas irmãs. A irmã da menina protagonista dessa história era bela. Bela da cabeça aos pés. Para facilitar as coisas darei à protagonista o nome Jandira. Jandira era a mais velha. Havia entre nós uma grande amizade. A gente conversava muito sobre todos os assuntos. Era muito inteligente a Jandira. Estudiosa pra caramba. Tinha um corpo belíssimo a Jandira, beleza facilmente percebida graças as suas mini mini saias e mini mini vestidos. Mas era feia, muito feia de rosto, era feia de mais da conta.

Eu não conhecia apenas meninas, conhecia meninos também, e quando digo meninas e meninos estou falando de meninas e meninos entre 17 e 20 anos de idade aproximadamente. E você sabe, Licinha, como são os meninos em qualquer idade, falam de mais, falam o que não deveria ser dito. E a maioria dos meninos que eu conhecia cultivavam hábito de contar pra todo o mundo o que faziam com as meninas. Eu sempre odiei essa coisa masculina de se vangloriar de suas conquistas denegrindo a imagem da mulher que nele confiou. E foi ouvindo os idiotas que fiquei sabendo que todos eles fizeram coisas com minha amiga Jandira.

Um dia eu não resisti e perguntei por que ela fazia aquelas coisas com todo mundo. A resposta que ela me deu foi curta Licinha. “Eu não sei dizer não”. Por muito tempo eu aceitei aquela resposta como sendo verdadeira. Mas a gente cresce, passa a entender melhor as coisas da vida. Eu percebi que a resposta da Jandira não era a verdade verdadeira. Jandira não se aceitava. Aos 25 anos cortou os pulsos. Não éramos mais vizinhos, eu já estava descasado do meu primeiro “casamento” e morando em outro bairro. Soube do acontecido via telefonema de um amigo. Ela sobreviveu. Foi morar em São Paulo onde fez carreira como engenheira química. Não formou família. Suicidou-se antes de completar 40 anos de idade.


I Know Girls.

 
Yamãnu_1
Enviado por Yamãnu_1 em 10/04/2014
Reeditado em 10/04/2014
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