Esmereciano e as Copas do Mundo
Eu estava com vontade de entrevistar o Senhor Esmereciano Paranhos de Andrada, famoso conhecedor da história do futebol brasileiro e das copas do mundo.
Através de um amigo, que tem muito contato com ele, consegui que ele me recebesse em seu escritório. Eu me apresentei a ele e tive uma ótima impressão.
O sr. Esmereciano era uma pessoa calma, educado, e muito objetivo em suas respostas. Então eu comecei a entrevista:
“Laércio: como estamos em ano de Copa do Mundo, e que desta vez será no Brasil, eu ficaria eternamente grato em conhecer sua opinião sobre esse assunto”.
Devo dizer que o Sr. Esmereciano tem 79 anos, mas ainda conta com uma memória privilegiada.
“Esmereciano: Copas do Mundo é um tema fascinante. Já ganhamos várias. E se não fosse o bairrismo e outros interesses escusos envolvidos, teríamos ganho muito mais. Antes de começar vamos tomar um café e ai veremos o que poderemos fazer”.
Então ele me disse:
“Esmereciano: faça as perguntas e eu vou respondendo”.
“Laércio: Qual foi o melhor árbitro que o senhor viu atuar?”
“Esmereciano: Esta é muito fácil. Foi o Sr. Mário Gonçalves Vianna, mais conhecido como Mário Vianna. Como ser humano podia errar, mas era muito honesto. Ele apitou campeonatos cariocas, paulistas, mineiros, grandes decisões por todo o Brasil, Campeonatos Sul-Americanos, Copas do Mundo. Sempre com uma atuação muito boa. Ele era duro, educado e cordial com os atletas. Antes de cada partida ele reunia, no centro do campo, os 22 jogadores e fazia sua preleção. Poderia ser Canto do Rio x Madureira ou um clássico como Argentina x Brasil. Era sempre a mesma coisa. Ele, então, dizia a todos: ”Os senhores estão vendo esse público que está ai? Eles não vieram para me ver e sim assistir os senhores jogarem bola, que é a profissão de todos aqui. Então, não tolerarei faltas violentas, desleais, nem resmungos de nenhum jogador. Depois que eu apitar, cumpram-se as regras. Não tenho medo de cara feia. E se algum jogador não estiver se comportando bem eu expulso de campo e não costumo falar duas vezes. Se o jogador não quiser sair eu mesmo o retirarei de campo, e não chamo a polícia. Alguma dúvida?”.
Laércio: “Então ele era muito determinado”.
Esmereciano: “Sim. Quem pensaria em expulsar um jogador argentino, em Buenos Aires? Pois Mario Vianna, numa Copa Roca, expulsou Sobrero, da Argentina, depois de uma entrada desleal em Carrero, do Brasil, com a Bombonera lotada. Só mesmo Mario Vianna. Em 1953, no Campeonato Sul-Americano de Seleções disputado no Peru, vários árbitros dentre eles, argentinos, ingleses e paraguaios se recusaram a apitar a partida Peru x Uruguai, e Mário Vianna, que já estava escalado para uma partida aparentemente mais tranquila, foi chamado para apitar esse jogo. A Seleção peruana, a dona da casa, tinha uma boa equipe, mas um pouco inferior à uruguaia, campeã mundial, em 1950, no Brasil. Com alguns retoques era a “Celeste Olímpica” de sempre. Manhosa, dura de ser batida e com bons jogadores. Mário Vianna reuniu os 22 jogadores e lhes disse: “Vocês me conhecem. Tratem de jogar bola, um futebol bonito, por que este grande público que está aqui veio para assistir a um grande jogo de futebol. Estou me dirigindo aos 2 capitães: ao senhor Obdúlio Varella do Uruguai e ao senhor Juan Calderón, do Peru. Vamos juntos fazer um bonito espetáculo”.
A partida terminou 1 x 1 e nada de anormal ocorreu. Assim que Mário apitou o final da partida os dois capitães, secundados pelos seus jogadores, vieram cumprimenta-lo pelo bom desempenho, e a torcida, em pé, ficou aplaudindo-o até que ele deixasse o gramado, satisfeita com sua condução da partida”.
Laércio: “Voltando às Copas do Mundo, Por que o Brasil foi tão mal representado na Copa de 1930” ?
Esmereciano: “Pouca gente sabe que em 1930 a Seleção brasileira poderia mandar para o Uruguai, segundo o grande historiador brasileiro Tomas Mazzoni, uma seleção formada por 13 jogadores de São Paulo e 9 do Rio de Janeiro. Porém os cariocas não concordaram de ter na comissão técnica um paulista. Então, São Paulo não concordou em ceder jogadores que eram: Clodô, Atié, Grané, Del Débbio, Pepe, Filó, Heitor, Luizinho, Nestor e Serafini. Sem esses jogadores a Seleção foi representada pelos cariocas. E acabou sendo escalada com Joel, Brilhante e Itália; Hermógenes, Fausto e Fernando; Nilo, Arakém, Preguinho, Poli e Teófilo. Fomos eliminados pela Iugoslávia quando perdemos por 2 x 1. De pouco valeu a vitória no segundo jogo contra a Bolívia, por 4 x 1. Já estávamos fora da Copa.
Tudo por causa do bairrismo e da rivalidade entre São Paulo e Rio de Janeiro”.
Ao final dessas perguntas eu procurei dar um descanso ao senhor Esmereciano Paranhos de Andrada. Fiquei de voltar no dia seguinte para continuar nossa conversa.