CONTRASTES
Este mundo é mesmo cheio de contrastes. Enquanto no Brasil se discute a redução da maioridade penal para 16 anos, no Paquistão o bebê Musa Khan, de 9 meses (isso mesmo, nove meses), foi acusado de tentativa de homicídio, ameaça a policiais e interferência em assuntos do Estado, junto com seu pai e avô. Levado ao tribunal (de fralda e mamadeira) e colhidas suas digitais, foi liberado mediante pagamento de fiança. Mas, como se recusa a comparecer à segunda audiência, já é considerado um “fugitivo da Justiça”. Lá, não existe estatuto da criança e do adolescente. Nasceu, já é suspeito.
Outro exemplo, agora no campo da ciência. O gênio humano identificou o pum cósmico que há bilhões de anos deu origem ao universo, mas não sabe onde foi parar uma aeronave com 239 pessoas que tinha pontos de partida e de chegada previamente definidos neste mesmo universo.
Mas, se falamos de contrastes (ou absurdos), nem é necessário sair do país. Em Minas Gerais, um ladrão com o sugestivo e pomposo nome de Afanásio Maximiniano Guimarães acabou processado pelo furto de um galo e uma galinha, avaliados em quarenta reais. Arrependido, e possivelmente nunca tendo ouvido falar sobre o princípio da insignificância, Afanásio devolveu as aves ao galinheiro do vizinho. Pois não é que, mesmo assim, o caso percorreu todas as instâncias do Judiciário e foi desaguar no Supremo Tribunal Federal para exame de mérito? Furtos de barra de chocolate e dentifrício já trilharam o mesmo caminho, como se o Supremo não fosse uma corte constitucional atulhada de processos de repercussão nacional.
Ao ler tais notícias, minha primeira reação é de inconformidade com esses descompassos. As pequenas coisas sobrepujando as maiores. O particular ofuscando o geral. Mas, depois de uma taça de vinho (“in vino veritas”), vejo o cenário com mais clareza. A alma está no detalhe, no microcosmo, na aparente insignificância, no acontecimento subjacente. Na faísca, que antes de provocar o incêndio dissipa a escuridão.
Agora, sim. Agora já posso reabrir os olhos. Chegando a Páscoa, não vou me atormentar com os vendilhões do templo e suas negociatas milionárias. Nem com os trinta dinheiros que tecem ligações escusas entre doleiros, empresários e homens públicos. Vou reduzir o foco. Vou para o anonimato das ruas. Um ponto de ônibus em São Leopoldo, RS. Lá está o desempregado Marco Antônio da Silva. Ele acha um envelope com seiscentos reais e uma conta a pagar. E não resiste à “tentação”: paga o boleto e procura a devedora para devolver-lhe o troco. A grandeza do gesto está, exatamente, na quase insignificância do conteúdo. Mas quem planta uma semente planta um jardim.
E, nessa Páscoa, Marco Antônio da Silva é nosso jardineiro fiel.