LIBERTANDO AS LUVAS DE BARBOSA
Naquele julho de 1950, aliás, dia 16 que também atende pelo nome de ‘meu aniversário, o futebol brasileiro sofreu a maior derrota de sua história até agora, penso que tem coisa ruim vindo por aí, mas isso a gente vai ficar sabendo daqui a três meses. Naquele fatídico dia que ficou conhecido como “maracanazo”, alguém saía de campo e entrava para a história como sendo o culpado pela derrota diante da celeste uruguaia.
Moacir Barbosa era negro, goleiro do excelente time do Vasco da Gama nas décadas de 1940 e 1950 e, como na época atual, sofria o famigerado e repugnante preconceito. Goleiros negros carregam a maldição daquele pulo atrasado de Barbosa. Outros falharam, perderam pênaltis importantes, mas nada comparado às injustas críticas ao goleiro negro. Armando Nogueira escreveu: “Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo”.
Certa vez, em um dia da década de 1970, eu estava na esquina da rua em que morava quando um homem alto, negro, magro e muito bêbado, parou diante de nós e perguntou se o conhecíamos. Eu e meus amigos dissemos que não, então ele pediu que quando fôssemos para casa contássemos aos nossos pais que estiveram com o Pompéia. Fiz isso e meu pai contou que ele tinha sido um dos maiores goleiros que já tinha visto, mas a imprensa dizia que era “exibido”.
Um goleiro negro que muitas alegrias deu para as torcidas de Flamengo e Botafogo foi Ubirajara Alcântara, talvez tivesse chance na seleção se fosse etnicamente europeu, mas diziam que ele era “mascarado”. Recentemente o goleiro Vagner, atuou em alto nível por alguns anos, levava para dentro de campo um laudo racista de “não enxergar à noite”.
Esse ano o goleiro, quer dizer, o “Paredão” Jefferson pode fazer justiça e calar quem discrimina e diz que negro não pode ser goleiro de seleção. É disparado o melhor do país e um dos melhores do mundo. Scolari prefere Júlio César, ótimo goleiro, mas que na última copa tremeu em jogo decisivo. Tem outros, também ótimos, que estão dentro do perfil “branco” da CBF: Vitor, Fábio e Cavalieri.
Seria muito interessante ver um goleiro negro sagrando-se campeão do mundo em pleno Maracanã, seria um ato contra o racismo e seus adeptos. Mas para isso acontecer será preciso quebrar o preconceito e a superstição. Eu quero Jefferson como titular para libertar as luvas de Barbosa, tenho a certeza de que ele homenagearia o injustiçado goleiro assim que o juiz apitasse o fim da partida. Não torço pela seleção por motivos políticos, mas quebrar esse tabu está acima de qualquer governo.
Ricardo Mezavila.