PAIS
 
               Fui criado numa família convencional: pai, mãe, irmãos, irmãs, avós, tios, primos, uma comunidade em que me ensinaram que havia algo em comum, chamado parentesco. Um ou outro sobrenome distinto fazia parte do rito social, numa mistura previsível dentro da comunidade maior que era a cidade.
            E pai, para mim, era aquele cara sisudo que, aparentemente, era o líder do grupo e que saía de manhã cedo de casa e voltava ao meio-dia, almoçava e saía de novo, retornando ao entardecer.
            Pai era o cara com quem eu me parecia: usávamos roupas semelhantes, mesmo corte de cabelo, jeito parecido de falar. Pai era o cara que me levava para pescar, para caçar, para jogar boliche no clube.  Pai era um cara que saía de casa e voltava sempre. Independentemente da atividade que fosse, um mero dia de rotina, ou uma caçada num lugar distante, ele voltava. Meu pai esteve presente na minha vida até alguns minutos antes da morte. Nosso último diálogo foi quando ele tocou minha mão, na entrada do hospital e disse: “Desta vez é grave, né, filho?”. Ele jamais me chamava de filho. Foi então que percebi, pela primeira vez, a fragilidade que tinha tomado conta dele. Estava morrendo e eu sabia disso, como médico. Feito criança, menti a ele, desta vez uma mentira diferente daquelas da infância, uma das raras mentiras necessárias e lhe respondi: “Não, pai, é um pequeno infarto, como aquele do ano passado. Amanhã pela manhã venho lhe ver.”
                    Não o vi morrer, mas sabia que iria acontecer pelo eletrocardiograma que o médico plantonista havia me mostrado. Entendia pouco de eletrocardiograma, mas sabia que uma extenso infarto antero-lateral era sinônimo de morte. Pois ele foi, o cara foi, sem nunca ter abandonado o lar, a família, os filhos, os amigos.
            Durante o enterro lembrei do dia que havíamos deixado a aldeia, dezesseis anos antes.
            Os amigos dele organizaram um jantar de despedida no clube e, ao que lembre, havia mais de duzentas pessoas. Pouco mais do que aquelas que circundavam a capela do velório.
            Ao longo da vida ouvi histórias sobre pais e só então pude compreender a importância daquele senhor sisudo que nunca me abandonou.
            Por muito tempo imaginei que ele tinha muitas dívidas comigo, mas ao me dar conta que ele esteve ao meu lado sempre, de forma incondicional, pude compreender como ele foi um grande cara.
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 07/04/2014
Reeditado em 08/04/2014
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