Efeito Estufa
Efeito Estufa
===========ErdoBastos
Passo o dia ouvindo noticias ruins, sobre
violência, por todos os meios.
Entro no bar pra comprar meus cigarros, e
acabaram de assaltar o lugar.
- Um piá, tchê! Um guri de merda com um
parabelo que é um canhão na mão me levou a
féria! Diz o dono do bar, babando de raiva e
espanto.
Compro meus cigarros noutro lugar - que além
de ladrão o guri é fumante e levou os cigarros
todos - e vou pra casa.
Na tv rola um debate sobre criminalidade, e
tem alguém lá dizendo que ninguém tem nada
com isso, que a culpa de cada um é de cada um
só e pronto, que bandido bom é bandido morto
simples assim.
"Diminuímos a idade penal pra 12 anos, botamos
'esta corja de negrinhos' na cadeia e se acaba a
função deste circo que "eles" estão fazendo".
Outro, diz que "a lei penal deve ser dura e
abrangente, porque só o medo e a
inexorabilidade da aplicação da pena inibe a
prática do crime".
E me pego pensando no assunto...
Então vamos ignorar a história? A sociologia?
Vamos ignorar a pscologia? A estatística
também não se leva em conta? Nada?
Simples assim: Vamos parar tudo e fazer dois
mutirões simultâneos, um pra acelerar os
processos no judiciário e outro pra construir
cadeias. E assim, o Brasil vira Dinamarca.
E a Santa paz de Deus reinará na sociedade toda.
Besteira isso. Hipocrisia, racismo e facismo
amalgamados num único ponto de vista.
Todos sabemos que, historicamente, os sucessivos
governos deste País esqueceram de governar
olhando o futuro, esqueceram os projetos de
longo prazo, os estruturantes, que dão base e
apontam uma meta a ser alcançada num futuro
da geração seguinte, não só das suas.
Governaram para si, fingindo governar para os
pais e para o País, e esqueceram completamente
das crianças.
O tecido social brasileiro foi esgarçando, e
esgarçando, até que chegamos onde estamos, e
estas crianças esquecidas viraram pais sem
chance alguma de fazer jus ao que a sociedade
esperaria que eles fizessem em relação aos seus
filhos, coisa que a própria sociedade, através do
governo, também não assumiu a tarefa de fazer,
e cá estamos.
Estamos num País que está num ponto onde,
para um jovem pobre hoje na faixa etária de 15
anos, que precisa prementemente sobreviver, o
crime está entre as opções de trabalho e renda.
Sem haver estudado convenientemente, sem
preparo pra praticamente nada, este jovem
precisa "se virar" pra comer; numa sociedade
imensamente desigual, onde as chances e
oportunidades se distribuem de maneira
desigual, deixando fora da sociedade organizada
um amplo espectro de uma geração inteira - que
está produzindo a segunda - e seus filhos, os
netos deste erro infame que nos condena hoje a
vivenciarmos este dia-a-dia onde a lei da selva
parece estar implantada e vigindo.
Então onde está a solução?
O que se pode fazer diante deste estado de coisas,
se concordamos que as coisas estão assim?
Entendo que o Estado Brasileiro é o grande vilão,
e deve ser o grande agente da mudança, e
assumir duas decisões importantes.
A primeira, tomar pra si a responsabilidade pelo
erro cometido com a falta de planejamento
competente, e passar a planejar o futuro da
próxima geração.
Abrir escolas, alimentar e incluir na sociedade
estes milhões de seres humanos com necessidades
iguais as de todos os outros, as da camada bem
posta da sociedade, e passar a dar-lhes
oportunidade de estudar, e depois de numa
economia organizada e desenvolvida, aplicarem
futuramente os conhecimentos adquiridos num
emprego que lhes garanta renda, e com isso
inclusão social, direito ao consumo e liberdade democrática.
Saúde, habitação, transporte em níveis razoáveis
e decentes.
E só quando a relidade do nosso País for esta,
aí sim, crimes cometidos por menores de idade
devem ser tratados como casos de polícia,
apenas. E aí sim, cadeia passa a ser remédio
para os "doentes sociais".
Aí entãio a segunda decisão importante, é tomar a si
o ônus possível de uma decisão política de monta,
e estabelecer uma DATA DE CORTE, induzindo um
acontecimento que inevitavelmente nos assolará,
porque é efeito de práticas já executadas, efeito
refletido do passado e impossível de ser ignorado
ou evitado.
E construir sim cadeias e mais cadeiais, e separar
esta parte contaminada da parte boa da
sociedade que ela coloca em risco.
Uma injustiça profunda, mas que terá o mérito
de marcar o momento da mudança.
Não se ignore nunca que há uma geração de
injustiçados neste País, com a qual a sociedade
tem um imenso débito que deve ser indenizado
sim, revertido sim.
Que se indenize estes injustiçados, salvando-se-lhes
os filhos então.
Que aquilo que não foi recurso utilizado para
que esta injustiça não acontecesse e os atingisse,
seja recurso utilizado agora para que a geração
que vem vindo a galope na esteira desta que a
gerou - inclusive prematuramente - tenha seu
futuro ajustado e assim, assegurado.
Difícil encontrar entre as classes menos
favorecidas da nossa sociedade, rapazes e moças
na faixa etária próxima dos 16 anos que já não
tenham um ou mais descendentes.
Está tomando forma hoje no Brasil um fenômeno
Social - como efeito colateral - na camada mais
privilegiada da sociedade Brasileira, que é o de
os filhos dos cidadãos mais abastados e que
vão estudar fora do Brasil, num numero
expressivo, não quererem mais voltar a viver aqui,
onde nasceram. Nem trazer pra cá e aplicar aqui o
que aprenderam.
E aí, vem a ponte que nos liga ao pior dos mundos.
Quem irá governar este País, esta Nação,
esta Sociedade no futuro, se este quadro não for modificado?
Os filhos da pátria que estudaram e se prepararam pra
isso, ou os filhos dos que ficaram aqui e sofreram
a injustiça que levou ao despreparo que hoje
suportam? E que mantém, assim, mercado e condições
que permitem a existência do tráfico e do crime
organizado em sua conhecida forma.
Parto do pressuposto de que pra sociedade como
um todo, interessa que a governe alguém bem
preparado para isso e que tenha com ela pontos de convergência.
E entendo que estes elementos não estão na
camada social dos que aqui ficaram e foram
relegados ao plano da animalidade, da incivilidade
criminosa, que criou um monstro e não sabe hoje
o que fazer com ele nem como conte-lo.
Em outros países aconteceram fenômenos sociais
idênticos e levaram estes países ao caos total.
Vejamos o exemplo do Líbano.
De lá, todos os cidadãos e cidadãs de bem, com
seus filhos expostos a uma condição de vida
dura e ao convívio diário com a violência interna,
imigraram para Chipre.
Adotaram a solução ao alcance deles, desistiram
da sua nação e adotarem outra, como quem diz,
"o último que sair apaga a luz".
Por uma opção de sobrevivência. Sem hipocrisia
e sem patriotada. Preservar-se foi a palavra-chave.
E o Líbano acabou entregue ao crime organizado,
as milícias e ao que culminou no hoje conhecido
Hesbolah, que de grupo terrorista arvorou-se a
partido político e hoje governa aquele país. Tomara
que tenha alguma verdade nas palavras de seus
líderes e que realmente melhorem a sociedade
Libanesa.
Mas não apostaria meu almoço nisso.
E nem meu jantar eu apostaria no Brasil sem
uma dura e tão radical quanto necessária
investida dos governantes na direção de
solucionar este estado de coisas atual, apontando
a proa da geração dos que estão hoje na faixa da
menoridade para um futuro sem esta verdadeira
guerra civil que estamos vivenciando, sem
exploração do homem pelo seu igual, com justiça
social e paz.
Ou teremos que apontar canhões para crianças em
breve tempo, talvez esperando assim "esvaziar"
o Aquecimento Global, que não terá quase que
ninguém a quem afetar e, portanto, numa conta
eleitoral fácil, será de pequena relevância.