Noivado desfeito
 
 
                                De repente, me recordo do meu colega  de  trabalho Carlos Alberto.
                               Evidente, que a lembrança não é de graça, pensaria  até o leitor menos atento.
                               Há que ter havido um fato marcante com o nosso Carlos Alberto, seja dramático ou cômico, não importa. E é isso mesmo, meus amigos. Ele é protagonista de um fato inusitado. Para muitos, insignificante, para outros, dependendo do temperamento de cada um, algo vamos dizer assim, inconcebível.
                               Vou logo passar para  o curioso leitor a marca registrada do Carlos Alberto. Se eu perguntasse ao leitor se ele já conheceu alguém demasiadamente asseado, naturalmente que ele diria sem hesitar que sim. Embora, vejam bem, não seja tão comum. Sempre encontramos alguma sujeirinha nas pessoas. Querem ver uma coisa? Já repararam nos pés  das moças que usam sandálias? Não sei se estou tendo alguma alucinação visual, se estou exagerando, mas tenho visto muito calcanhar sujo, nesses últimos tempos. Quando não é o calcanhar é a sola do pé. Com algum  esforço, consigo enxergar partes  da sola do pé. E para minha tristeza, entre dez moças que passam por mim na rua, seis, pelo menos seis, estão com os pés sujos. São anjos, de rostos bonitos, mas de pés sujos, já ia dizendo de pés de barro, mas aí já é outro assunto. Uma moça me disse que o mundo é que é sujo. É possível, é possível! Mas fica a constatação, esperando por melhor explicação. 
                               Ressaltei a sujeira, talvez carregando nas tintas, para dizer aos amigos que o Carlos Alberto  foi a pessoa mais limpa que jamais conheci. Sabe aquele cara que parece que acabou de sair do banho?
                           Este era o Carlos Alberto. Em qualquer hora do dia ou da noite, lá estava na sua frente a própria limpeza escancarada. Era de impressionar um cristão velho. Digo cristão velho, porque o cristão novo se assusta à toa.
                               Vou fazer uma rápida digressão, um pequeno parêntese. É rapidinho, leitor, acabo já essa estória. Não sei se vocês sabem,  mas  sempre estou para ir a Belo Horizonte. Ao chegar nas Alterosas, vou procurar, imediatamente,  o meu amigo íntimo Roberto Rego, um verdadeiro irmão, amizade conquistada aqui no Recanto.  Falei em amigo íntimo e  logo explico: no Rio, os cariocas estão carecas de saber disso, existe a figura  do inimigo íntimo. Essa foi meu pai que contou: ia ele com um colega, passando pela rua Graça Aranha, quando viu dois inimigos, embora colegas de  trabalho, se abraçando e  ainda  às gargalhadas. Claro, papai cutucou o colega e disse: o que estou vendo é verdade? No norte, amigo é amigo e inimigo é inimigo, e até se matam. Foi quando ele aprendeu. No Rio é diferente,  os inimigos ficam íntimos e se frequentam.
                               Acho que me perdi, meus amigos vivem dizendo que entro em muitos atalhos na conversa. Ah!, lembrei.  Estava falando no Roberto Rego apenas para dizer que vou almoçar com ele na Av. Amazonas, comida mineira, faço questão, e contar exatamente sobre o Carlos Alberto.
                               Tudo isso porque quero impressionar meu amigo íntimo e uma historinha leve como essa,  penso  que vai pegar bem.       
                               Retornando ao meu colega asseado, vamos ao epílogo. Não sei se falei que o Carlos Alberto estava noivo e marcando data para o casamento.
                               Pois é, estava noivo. E já com data marcada para o casório. Não tenho certeza, mas isso é detalhe.  Um belo dia,  chega o nosso Carlos Alberto na repartição e declara: rompi com o noivado, não vou mais casar! Foi aquele corre-corre na sala de trabalho. Mas como? Todos perguntavam. Eu tomei um susto tamanho de um bonde, como se dizia antigamente.
                               Todos exigimos  uma explicação. O Carlos Alberto não era mais uma criança, estava beirando os 50 anos.  E o homem explicou-se : ele, depois de ter tomado um demorado banho de ervas,  passeava de carro lentamente pela Avenida Atlântica, a noiva ao seu lado. Uma música romântica ao fundo e eis que, de inopino, a  futura  esposa baixa o vidro da janela do carro e dá  uma sonora  escarrada, jogando longe o seu catarro. Notaram o detalhe? Teve estalido!  Foi a gota d’água. Na mesma hora, o Carlos Alberto rompeu ali mesmo com o noivado. Nós, seus amigos, atônitos, perguntamos, mas rompeu o noivado por quê?
                               E ele, espantadíssimo, com aquela cara costumeira de quem havia acabado de sair do banho, responde com outra pergunta: Não ouviram o que acabei de falar? E              arremata:  a moça não tem higiene nenhuma. E além do mais, tenham paciência, ela teve prazer em estalar a boca, isso não tem perdão!

Nota:  Republicação, a pedidos,  de antiga crônica, lida por poucos amigos. Sem tempo, vou intercalando antigas crônicas com novíssimas, na medida do possível.