A primeira miss da ditadura

Todo mundo esperava que ela respondesse “O Pequeno Príncipe”, mas ela se saiu com Sartre e Goethe – havia lido “Fausto” no original em alemão, além de ter assistido a encenação da peça em um teatro de Hamburgo. Para completar o basbaque da imprensa, citou ainda Bach como o seu compositor preferido. Sem dúvida aquela não era uma candidata tradicional para o Miss Brasil. Ela própria tinha consciência disso. Se pudesse, teria desistido lá atrás, ainda na etapa municipal. A pressão e a vaidade fizeram com que continuasse. Em pouco tempo era eleita a mulher mais bonita da cidade e do estado. Faltava ser a do Brasil.

Enquanto esperava a sua vez de desfilar, lia contos de Kafka. Já havia pensado em uma estratégia para não ficar nervosa: imaginaria que estava caminhando na areia da praia. E entrou com tanta naturalidade que as pessoas logo começaram a aplaudir, e ela a rir, contagiada por aquela euforia. Quem mais poderia ter vencido? Ela era, enfim, a Miss Brasil.

De volta ao hotel depois da noite de sua glória, ela caiu na realidade. Enrolou o cetro e a coroa no manto e, pensando “onde fui me meter”, jogou tudo contra a parede. Mas se assustou com o próprio gesto e correu para ver se a coroa não havia quebrado. Acordou deprimida, e ainda estava assim no Baile da Coroação.

Ainda tinha o Miss Mundo pela frente. Foi para Miami arrasada e resolveu descontar sua tristeza na comida. Desandou a comer panqueca, engordou e o pessoal ficou feroz. Era uma rotina de quartel, mas um dia ela não aguentou e foi nadar à noite na piscina. Lembrou-se de noites em que nadava à luz da lua. Tirava o biquíni, enrolava no braço, mergulhava bem fundo e deixava o corpo subir devagar, olhando para a lua, sentindo como se estivesse no cosmos. Nadou assim naquela noite.

Foi eliminada na semifinal e teve um acesso de felicidade quando tudo acabou. Ângela Vasconcellos, a miss que não queria ser miss, era a primeira de uma revolução que também não foi revolução.