Lembrei-me de Talita

Cansado de tanto concreto e entediado com a programação da televisão, resolvo esticar as pernas e dar uma passeada em uma das pequenas praças que separam as quadras residenciais da Asa Sul. É finzinho de tarde, mas o sol ainda não se decidiu a ir embora. Não há nenhum banco protegido pela sombra, o que me faz sentar no meio-fio de um estacionamento vazio. De lá observo o movimento da praça, que é pouco, mas significativo. Há apenas uma família, um casal e dois filhos pequenos que se revezam entre uma bola e uma bicicleta. Também os pais brincam com eles, e a mãe chega até mesmo a ensaiar uns chutinhos, para grande prazer do restante da família. Depois o pai resolve ver quão alto consegue chutar a bola. O menino olha extasiado para o chute do pai. E por fim todos ficam trocando passes. Sem dúvida o chute na roda foi uma das maiores invenções da humanidade.

Passa a observar a menina, que agora anda em uma bicicleta pequena, daquelas com rodinhas. Penso se um dia será a minha vez de levar uma filha até a pracinha nos dias de domingo. Será que mereço toda essa felicidade? Lembro-me de Rita, a filha que Rubem Braga não chegou a ter. E lembro-me de Talita, a filha que ainda não sei se um dia virei a ter. Há alguns anos eu encasquetei que a minha filha havia de se chamar Talita. Não tem um grande significado, quer dizer apenas “menina” em aramaico. E, no entanto, quanta coisa diz “menina”, principalmente se você é o pai dela. Definido o nome da filha, falta-me apenas descobrir qual será o de sua mãe. É nisso que eu penso enquanto vejo aquela menina correndo e se divertindo.

Há um vento fresco, bastante agradável, que me faz lamentar todas as tardes desperdiçadas dentro de uma sala qualquer. Ouço o canto de um pássaro, cujo nome não conheço, em cima de uma árvore, cujo nome não conheço, provocando em mim um sentimento cujo nome não conheço. Mas sei que é bom e traz paz, assim como ver aquela família se afastar, lentamente, de volta para casa.