O tempo
Lamento a vida e o tempo. Não canso de dizer que queria ter nascido na década de 60. Ou 70. Olho ao meu redor e sinto que as pessoas perderam o vigor e a garra que existiam outrora. Queria ter acompanhado as mudanças do mundo. As principais transições que nos lançaram à vida atual. Gostaria de ter tido a oportunidade de andar entre outras 99 mil pessoas durante a Passeata dos 100 Mil, realizada no Rio de Janeiro em 1968, ano em que a ditadura militar e governos autoritários marcaram o cenário político no Brasil e em outros países. Ano da Primavera de Praga.
A calma para traçar planos, ao mesmo tempo em que se lutava urgentemente para o retorno das liberdades, não mais existe hoje em dia. Muitos jovens, filhos daqueles que brigaram por um mundo melhor, tornaram-se “alienados” – termo amplamente usado no período para designar aqueles que estavam preocupados com aspectos menos nobres quando comparados à causa social. O que diriam esses pais para os herdeiros que, longe dos ideais, traçaram como objetivo de vida apenas conquistas individuais?
Queria ter visto e participado ativamente dessa era. Imagino-me em meio à multidão nas edições do Festival de Música Popular Brasileira, promovidos pela Record, que consagraram, em diferentes épocas, canções como “Sabiá” e “Pra não dizer que não falei das flores”, essa última considerada o hino de resistência do período militar. Queria ter unido minha voz ao coro de revolta pelo resultado que não premiou a canção de Geraldo Vandré e classificou a composição de Tom Jobim e Chico Buarque como vencedora do concurso. Mas o tempo não foi generoso e me enviou à Terra mais de 20 anos depois.
Presenciar o Festival de Woodstock, com todas as possibilidades, sonhos, liberdades e ideologias, seria uma experiência única para quem pode apenas acompanhar eventos comerciais e repetitivos, tanto locais quanto nacionais. O ano de 1969, época marcada, também, pelo Flower Power, garantiu a perpetuação de bons músicos que, ainda hoje, cantam em aparelhos de música portáteis, materiais jamais imaginados pelos que viveram o período. Ouvir a guitarra de Hendrix mesclada a sons de bombas, em cumplicidade com a multidão, entoar um protesto contra a maior potência capitalista do mundo representaria a expressão plena da vida.
O culto ecumênico realizado na Catedral da Sé em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, a missa de sétimo dia do estudante Edson Luís (cujos participantes saíram da Candelária protegidos por uma corrente humana, formada por padres, que afastou os policiais e impossibilitou um ataque à multidão) e o episódio da bomba do Riocentro (no qual dois militares planejavam bombardear um show e, antes do esperado, o dispositivo explodiu dentro do carro em que eles estavam) marcaram a história do Brasil e povoam a mente de muitos brasileiros. Nem todos tiveram a oportunidade de lutar e participar de um período que, ainda hoje, traz discussões e pedidos de esclarecimentos. A nós, das gerações posteriores ao golpe, restam apenas a conscientização e a necessidade de manter viva a história e a memória daqueles que lutaram por nossos direitos.