A Imagem da Dor
A Imagem da Dor
Há vinte anos, eu entrava no Hospital Universitário da UFAL, para iniciar a prática da medicina, com a missão de curar quando possível, mas aliviar a dor sempre. A dor nem sempre está relacionada exclusivamente à doença. Tem um sentido mais amplo, que extrapola até mesmo a figura do paciente, atingindo todos os envolvidos no seu contexto: a família, amigos e, não raro, pessoas desconhecidas.
A neurologia exige atenção aos detalhes e o exercício da observação levou-me a vivenciar muitos momentos da dor humana. A imagem mais marcante, aquela que sempre me vem à memória, não é a do sofrimento em si, mas a do companheirismo, do apoio e do amor.
Com raras exceções, o ser humano não sente sua dor na solidão. Como bem já disse Clarice, é comum vermos pessoas guardarem suas próprias dores no bolso e amenizarem a dor de um familiar, de um amigo ou até mesmo de um desconhecido. Sim, essa é a imagem que mais me marca na dor. Estudos apontam que pacientes com cônjuge, apoio familiar, amigos e fé costumam ter um prognóstico melhor. Será que aí está o sentido do “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”(João 15.12)?
A verdade é: quem está com Deus nunca está só. Mas nosso Deus manifesta-se de muitas formas; nos momentos de dor, como diria Guimarães Rosa, "amizade dada é amor". Amor é Deus manifesto, com um poder que não nos cabe tentar calcular, mas apenas agradecer. Exercitar a gratidão é reconhecer que não estamos sós, mesmo nos momentos de angústia maior.
Por isso, continuo a minha missão com alegria, humildade e paixão, buscando a excelência no meu trabalho, convencido dos meus limites e amparado pela certeza de que somos instrumentos do Pai. Toda dor que presencio no dia-a-dia tem um sentido e não me cabe julgar, mas devo sempre aliviar o sofrimento de quem me procura, com ciência, sabedoria e amor.
E com a frase que sempre escuto quando faço um bom trabalho, encerro esta reflexão: Graças a Deus, obrigado.