O Avarandado do Céu
Logo no início da manhã de todo Santo Dia, no avarandado do Céu, começa uma nova reunião de cúpula para decidir o destino dos reles mortais que, através de assessores do além, pleiteiam um espaço, mínimo que seja, naquela Morada Eterna.
Permanecem lá, durante todo o dia, não raro, noite adentro, São Pedro e seus arcanjos conselheiros, isolados dos outros anjos e em uma dieta à base de ambrosia e chá de mandrágora, estabelecendo conjecturas sobre os currículos que vão chegando, trazendo informações da vida pregressa dos defuntantes candidatos de todas as partes do mundo.
Finalmente, lá para as tantas, são interrompidos os trabalhos de seleção. E isso, geralmente, só ocorre porque os querubins e os serafins, exaustos da missão de mensageiros, amotinados, ameaçam encarnar no primeiro vivente que vier a nascer, ou resolvem logo brincar de adivinhar o sexo dos anjos. Nesse caso, o Todo Poderoso, temendo o pior, intervém:
— Qual é, Pedrão, tu negaste três vezes o meu filho e, mesmo assim, passei para ti as chaves do céu; será que sou eu agora quem vai ter que por ordem na casa?! Manda essa cambada alada pra cama já!
Claro que Deus não estaria brincando nessas horas; não nesse tom; não a... uma da madrugada. Nesse caso, todos vão mesmo imediatamente dormir, mas logo surge um novo dia, com novas demandas, tráfico de influências...
Dado o conforto proporcionado pelas acomodações do Céu, com suas suítes espaçosas e arejadas e travesseiros à base de penas de asas de anjo, tem muito defuntante recomendado por instituições terrenas, a maioria delas duvidosa. Acredite, o próprio Capeta, frequentemente, manda uma galera. É evidente que esse cara das profundas sabe que não desfruta de simpatia perante os arautos da paz celestial, mas, como ele próprio já houvera dito ao Filho do Homem há um tempinho lá na Galileia, ele, “são muitos” — uma hora o pessoal que faz a triagem se distrairá, e seus apadrinhados poderão ser infiltrados.
Cá entre nós, apesar de a Morada Eterna ser tão demandada, eu mesmo já revelei aqui nessa tribuna ter recebido convite para fazer as malas já, desde que desistisse, evidentemente, do meu niilismo cáustico; perguntei apenas se lá eu teria Fanta Uva. Desconversaram. Para o inferno, porém, insisto: só vou se for para ser Diabo Chefe!