O CANTO DAS CIGARRAS
O CANTO DAS CIGARRASO CANTO DAS CIGARRAS
Hoje, meados de Fevereiro, verão de um ano igual a outro ano anterior, qualquer, não fora a diferença de um número acrescido no calendário, inventado pelo homem para marcar o tempo, e a cujo virar de página, vamos ficando inexoravelmente mais velhos.
Neste quase final de estio ouvi pela primeira vez o canto das cigarras. E, pela observação já de anos anteriores, as cigarras no meu quintal, não sei porquê, começam a cantar quando esta estação começa a dar os primeiros sinais de despedida, para dar lugar ao outono. Seu canto em pleno verão que costuma ser estridente, é agora magoado, toada monótona, um triste adeus de doídas saudades.
Fica também em nós o vazio, daquele passeio mais uma vez adiado, mas também doces lembranças da estação quente e dos dias passados à beira mar, do barulho das ondas ora mansas, ora docemente revoltas, a beijarem a areia e a suave carícia em nossos pés, num vaivém de pura sedução.
Os pássaros, filhotes, agora já crescidos, se libertam da tutela de seus pais, querendo-se firmar como seres independentes, até que, por sua vez seus filhotes no ano vindouro cumpram o mesmo fado. Assim, a natureza vai cumprindo o seu inexorável destino, neste grande palco, de pequenos e grandes enigmas, que O grande autor com inexcedível sapiência construiu.
Logo cessará o canto das cigarras, o céu ficará mais apaziguado, e neste céu azul deste Sul do Brasil, as aves migrantes escreverão mais uma vez o seu poema do adeus, até à sua volta na primavera, quando o milagre da vida então se repetirá. De novo, os campos e bosques se engalanarão de roupagens multicores. Os ninhos se encherão de música num diáfano prelúdio à grande festa.
Depois, depois, as cigarras repetirão o mote da despedida, à vida, da vida.
Eduardo de Almeida Farias