Cabeça a Prêmio
Fazia dó ver dona Mundica, depois que o marido morreu, não saia mais do cemitério. Era dia e noite zanzando feito alma penada entre os túmulos, cavando feito coveiro fantasma. Quando não estava com o regador na mão era com uma enxada a capinar as ervas que insistiam em brotar na casa dos mortos. Pobre senhora nunca tivera sossego na vida, dizem os amigos que na infância fora bolida pelo pai, a mãe angustiada lhe expulsara de casa, acreditando que o pai havia sido seduzido por ela. Na casa do tio que acolhera com “boca de lobo” fazia os serviços de doméstica e era obrigada a servi-lo no quarto. A tia mesmo cega de um olho e deficiente de uma perna descobrira a farra mutilando o penis do marido, Mundica não quisera esperar que a mulher do irmão do seu pai acreditasse nas suas palavras e se perdera na rua. Assim fora crescendo e parindo, parou no sextimo ameaçada pelo conselho tutelar que havia lhe tomado seis por falta de cuidados.
Durante o tempo de casada tinha o habito de ser surpreendida pela policia que entrava a qualquer hora e revirava sua casa em busca de drogas, o pior é que sempre achava, marido e filhos diziam até para a imprensa que eram inocentes, mas o juiz não acreditava e os trancava na cadeia. Mundica sabia todos os códigos penais, nomes de advogados e valores a pagar. Tinha uma tabela de suborno com fotos dos principais agentes penitenciários e comandantes de operações, fazia tudo que podia para ter a família reunida. Não acreditava no que os jornais publicavam e rezava com os joelhos no chão para que seus entes tão queridos deixassem aquela vida. Porém em um destes pedidos dona Mundica fora mal interpretada pelo santo de proteção, numa semana o marido se envolvera numa guerra de trafico de drogas e tivera a vida ceifada, os filhos juraram vingança, mas antes que pudessem concretizar o juramento foram linchados pela população ao incendiarem o Ônibus da APAE.
Então passara a viver dona Mundica com o espírito preso naquele cemitério, acendendo vela e rezando para que aqueles seres traídos pelo santo encontrassem a luz, mas aquela senhora tinha certas atitudes que chamavam a atenção de Policial Civil que passava sempre nos finais da tarde fazendo seu Cooper. É que a viúva chegava com um carrinho de mão com terra e voltava com um mato. E era assim, chuva ou sol, lá estava ela no seu trajeto trivial. Com uma discreta investigação fora levantando a ficha até que já tinha um histórico digno de biografia daquela senhora, drogas, prostituição, roubo, violência e a carnificina com a família. A seguir colhera fotos e vídeos daquelas idas e voltas, até o dia do bote. Convocara a imprensa e a grande cúpula das autoridades policiais, vestido de terno e gravata importada, todavia, antes soltara uma pequena chamada do que aconteceria naquele local para atrair a imprensa escrita e os paparazzi, inclusive alertara nas redes sociais que “reticências” estava para acontecer.
Dona Mundica continuava na solidão da sua sina, um sissifismo doloroso que nenhuma estação do ano embargava. O aparato estava montado na porta do cemitério, câmeras de televisão, motoqueiros da ROTA, Blazers da Civil, atiradores de elite posicionados sobre casas, árvores e postos de gasolina. Lá vinha ela displicente com seu carrinho cheio de mato, que imediatamente os acusadores apressados gritaram “é maconha”. Berros sensacionalistas deram voz de prisão, a senhora parou assustada sem entender os motivos. Televisão ao vivo “- Mete o Grampo” ordenara aquele policial. Dona Mundica já passara por situações parecidas assim, resistir não seria inteligente da sua parte, entregara o mato, todas as folhas. Numa paulatina revelação explicou que aquilo era o que ela colhia dos túmulos, para ficar mais perto dos familiares, decidira cuidar de todas as sepulturas trazendo aquela terra e levando as ervas daninha para a caçamba de lixo. Com aquelas palavras ninguém se atrevera a vistoriar o mato, olhos lacrimejaram, pessoas a abraçaram enquanto o policial fora advertido pelo comandante e indiciado pelos direitos humanos, a comovente história de Mundica fora manchete de tele-jornal de domingo. Mas suas atividades ordinárias não sofreram alterações, até que toda aquela erva fora colhida e sua divida paga. Investigações posteriores revelaram que o marido e os filhos não morreram, manobras da própria policia ajudaram na confecção dos atestados de mortes e na falsa identificação dos corpos. Hoje a pacata Mundica estampa cartazes pelas principais capitais do país, com uma boa recompensa para quem ajudar encontrá-la.