Retrato molhado

O ator e anarcopoeta Beto Quirino teve uma ideia bestial de fazer um documentário chamado “Meu momento 3X4”, contando histórias engraçadas do dia em que foi tirada a foto de pessoas comuns. Mandei a minha foto com a seguinte narração:

Eu e meu parceiro Frederico Guilherme de Araújo Lopes, (que algum deus misericordioso com os bêbados, comunistas e galhofeiros o guarde em algum lugar legal), estávamos na esquina paquerando as meninas, sim, porque naquela remota era se dizia paquerar o ato de chavecar o sexo oposto. Não procure, que “chavecar” ainda não está nos dicionários. Pois bem, estávamos naquela de azarar as fulanas, quando surge na esquina meu pai puxando uma moça pela mão, aquela que era minha noiva. Foi aí que eu lembrei que era o dia do meu casamento. Em pânico, tentei fugir, no que fui impedido pelo dito cujo Fred Lopes, auxiliado por Zenito Oliveira, outro camarada meio abilolado que fazia parte da turma. Começava minha comédia dramática deste dia.

Levado ao Juiz, aceitei casar com a moça por espontânea pressão, ato testemunhado pelos dois elementos acima descritos, já em razoável estado de embriaguez, eu e eles. Ao sair do Fórum, quase entrava em vias de fato com as testemunhas porque eles insistiam em gritar no meio da rua: “viva os noivos!”. Foi na ocasião em que começou a cair um toró numa cidade onde só chove duas vezes por ano. Era um momento especial. Eu e as testemunhas correndo pela rua grande, a noiva foi embora, já documentada e, portanto, apta a me dar as broncas indefectíveis de toda esposa de papel passado.

Passando no Estúdio do Foto Wilson, lembrei que havia a necessidade urgente de bater uma chapa, tirar foto 3X4 para documento. Entrei no estúdio e Wilson Fotógrafo (que os deuses da pachorra e do bem viver guardem esse gordo senhor por todos os séculos amém), fez a foto com meus cabelos molhados e os olhos um tanto avermelhados de Pitu, o sabor pernambucano que o país aprecia.

A chuva não passava. Resolvemos tomar a “saideira” no mercado público, no bar do Carioca. Eu e as testemunhas, os três tesos de fazer pena, fizemos a cota e só deu pra meiota sem direito a tira-gosto. O aguaceiro lavava os telhados das casas e a alma daquele povo sedento. Eu, lutando com as maiores dificuldades para manter em dia a conta do bar, pensava na nova vida de casado, responsável por mais uma boca e, depois, a filharada. Nesse pensar, bebia porque agora era um rapaz de respeito. O que é a solidariedade dos amigos! Meu compadre Fred Lopes tirou a roupa e foi tomar banho na biqueira do mercado, “como uma forma de protesto contra essa farsa burguesa que é o casamento”. Enquanto recebia na cabeça o aguaceiro, o baixinho maluco cantava a canção de Chico Buarque: “Ele faz o noivo correto, ela faz que quase desmaia, vão viver sob o mesmo teto até que a casa caia...”

Entrei, enfim, na maior gelada. Depois, uma cervejinha pra lavar. Esta é a história do meu 3X4.

www.fabiomozart.blogspot.com

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 01/04/2014
Código do texto: T4752596
Classificação de conteúdo: seguro