Paginas do Diário de um Coiote Bêbado de Tequila

Haviam tirado gasolina do tanque de algum carro e começado uma fogueira . Era noite e fazia frio , e da onde estávamos - mil e trezentos metros de altura , próximo as antenas de TV e celulares - dava pra ver um bocado de cidades ao nosso entorno . O que eu fazia ali era um grande mistério , mas conversava com alguns tipos me aquecendo próximo as chamas que ardiam com pedaços de madeira e tudo mais que a duzia de gente atirava nela . No carro eu tinha uma garrafa de tequila pela metade que ora ou outra era atacada por mim a fim de espantar o frio e todos aqueles pensamentos estranhos de uma mente atordoada e perdida . Também precisava dela -a tequila - para me manter sociável com as pessoas , pessoas essas que não conhecia , mas que dividiam o mesmo pedaço de alto de serra comigo . Quando o vento soprava arrastava brasa e fumaça para todos os lados , o que faria minhas roupas cheirarem a lenha no dia seguinte . Estávamos ali como um bando de índios da cidade rindo sem saber porque , felizes no frio , bêbados em volta de uma fogueira cantando ao som do violão desafinado de uma garota de saião cigano e cabelos escuros caídos pelos ombros desprotegidos . Cheguei a lhe oferecer minha jaqueta jeans mas recusou . Seus olhos castanhos eram loucos , e do seu corpo exalava o cheiro de mil chagos fumados enquanto sua voz parecia ser carregada pelo vento até nossos ouvidos .Me sentei ao seu lado por um instante tentando puxar assunto . Comentei sobre seu violão azul . Falei sobre como o som do aço transmite melhor o sentimento das notas ao ser dedilhado . Apelei para seus pés descalços sujos de terra e lhe ofereci uma carona para casa .

- É uma caminhada em tanto até la embaixo .

Disse eu . Então ela apontou com a cabeça para sua caminhonete toda ferrada estacionada mais ao fundo próxima de uma goiabeira . Talvez seja louca, pensei . É por isso que ninguém quer se aproximar dela, é por isso que esta cantando sozinha musicas que ninguém mais presta atenção . A deixei com seu violão e fui me aquecer na fogueira . Um casal procurava desenhos nas estrelas traçando riscos imaginários no céu com os dedos . Tentei encontrar a girafa e o peixe que eles viram , mas tudo que eu enxergava eram pontinhos cintilantes como grãos de arroz espalhados sobre o tecido preto . Com todas aquelas vozes emaranhadas e o estalar da lenha acompanhado do perfume do oeste entregue a nós pelo vento gélido me senti inspirado , e sobre os acordes arranhados no violão pela garota de saia cigana cantarolei a seguinte melodia :

...Eu sei o que quero

Mas não sei o que fazer

Então o que faço

E tentar esquecer

As luzes são fortes

Teu brilho ainda mais

Seu sabor não é doce

Ainda sim peço mais ...

E foi tão despretensioso e natural , e não importava a sequencia de acordes ou o ritmo , mantive a pequena melodia em meus lábios como um altista em frente a uma parede branca , e quando o som do aço cessou continuei sobre o som do capim remoendo ao pé da serra, disputando com o barulho das duas torres de TV e celular gemendo atrás de nós , onde uma enorme queda se seguia e se houvesse neve uma pequena bolinha solta rolaria até se transformar numa enorme bola de gelo . Ainda faltava muito para amanhecer quando os primeiros começaram a descer , a fogueira deixada de lado arfava por mais lenha , o frio aumentava , a tequila acabava , e quando o som dos sinos da igreja anunciaram quase sem som que eram três horas a cigana , sentada ao meu lado deitou sua cabeça em meu ombro esquerdo , observando as luzes da cidade iluminarem as ruas e os faróis indicarem as paradas , dizendo quando é seguro seguir em frente ou parar e esperar até a sua oportunidade .

Dica : Jack London ( escritor )

Livro : The Call of the Wild ( 1903 )

01/04/2014

10h53m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 01/04/2014
Reeditado em 01/04/2014
Código do texto: T4752064
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