Passado na Praia do Futuro
Por Carlos Sena


 
Fiquei passado (pasmo) na praia do Futuro em Fortaleza. Não se discute a beleza do lugar, nem a excelente  infraestrutura turística. Mas, dá pra discutir um pouco do que ocorre no entorno e que nos deixa sobremaneira preocupados. Afinal, a riqueza das nossas cidades está nos conglomerados urbanos cercados de praia por todos os lados. No Nordeste isso é motivo de prazer e orgulho, não fosse o outro lado dessa moeda. Esse lado é o pelado da história – aquele em que as nossas chagas sociais ficam pertinho de nós e nos reclama atitudes na hora do voto. Durante quase três horas que ficamos nos deliciando na praia do Futuro, especificamente no bar CROCOBEACH – opção rica de lazer com tudo que se tem direito numa praia linda, não fossem a ruma de vendedores que nos cercam. Nesse pouco espaço de tempo em que ficamos no Crocobeach, fomos instados por diversas pessoas que nos vendiam de um tudo, mais parecendo à feira de Caruaru. Eivados pelo nosso sentimento de amor a terra, achamos oportuno  relacionar todas as pessoas que passaram por nós vendendo alguma coisa ou serviço, a saber: vendedor de pimenta em vidro, de quadro pintado a óleo com e sem moldura, isqueiro e cigarro, criança vendendo confeito e chiclete, móbile para ensinar pequenas mágicas, cera de modelagem, salada de frutas, ovo de codorna, óculos e cangas,  bronzeador, chapéu de palha,  queijo assado, ostras, lagostas, camarão em copinhos, CD e DVD, picolés e sorvetes, cheirinho sândalos em sachê, cocada, bermuda, fazedor de tatuagem nas diversas modalidades, além de duplas de repentistas pra lá e pra cá com suas violas. Roteiro de turismo? Lá havia pra vender, bem como produtos infláveis pra crianças brincar na água. Não obstante tudo que já foi elencado, coisas insólitas eu vi vendendo lá e fui chamado para comprar. O mais interessante deles foi um senhor vendendo jogo da Mega Sena já prontinho. Contudo, nada mais surpreendente numa praia do que ser abordado por uma senhora com o seguinte diálogo: “o senhor é católico”? Quem respondesse “SIM”, então ela se apresentava como sendo da irmandade de Nossa Senhora de Fatima, em Fortaleza, e que estava vendendo (aí ela mostrava o terço) aquele terço para ajudar nas obras da igreja... Quando alguém, já percebendo a deixa, dizia ser evangélico, ela saia de mansinho. Mas, ainda havia coisa inusitada: uma massagista oferecia esse serviço insistentemente aos turistas. Mais uma: um homem tipo hippie vendia gafanhotos de palha de coqueiro que, de tão perfeitos até assustavam quem estivesse desatento.  Considerando a onda da copa e as torcidas estaduais, eis que surge do nada um homem vendendo porta-retratos com as cores e os brasões do time de cada pessoa. Contudo, o melhor estava por vir. Insólita ocorrência? Talvez, mas melhor contar: de repente um jovem “molinho” vociferando aos quatro ventos, até que a gente percebe que aqueles gritos eram por conta dele ser mudo e surdo. Ele chegava num grupo de pessoas e fazia um gesto de um quadro e, em seguida, mostrava uma moeda de um real. Resultado: ninguém entendia nada, exceto saber que ele pedia dinheiro, pois mostrava uma moeda de um real. Nesse meio tempo, um ambulante de CD e DVD percebendo que ninguém alcançava o que ele queria dizer, explicou: ele é mudo e tem uma coleção de bonecas barbes. Esse dinheiro que ele pede é pra fazer os vestidinhos das suas bonecas. Parecia brincadeira, mas era verdade. Tratava-se de uma bichinha surda e muda pedindo dinheiro para comprar as rupas das suas barbes. Nesse caso, claro, não se tratou de venda, mas, no rigor do ato, ele acabava vendendo por um real sua vontade de vestir suas bonecas. Ufa! O tempo passou nas asas do futuro. E eu, passado, curti a praia do Futuro por entre um mercado persa e uma feira de Caruaru. Pensando bem, melhor assim. Melhor gente vendendo coisa na praia mesmo que aos borbotões, do que na vadiagem...