AO AMIGO DE VANGUARDA QUE SE FOI
Por: josafá bonfim
Caro amigo Serginho...,
Desde a notícia de sua partida, venho tentando escrever uma crônica. Mas me tem sido difícil, camarada. O pensamento gira, mas as palavras não encontram curso. Não diria ter sido surpresa, pois tínhamos ciência do seu padecimento. Mas a angustiante noticia bateu doído, como se atacando o flanco mais sensível deste castigado peito. Sequer pude te fazer a mais pesarosa das vizitas, a última. É que tenho andado por esses dias às voltas com uma perna enferma, que se tornou dura adversária e não é por arte de um desses bate bola, não. É o batidão dos anos que me começa mostrar seus efeitos.
Que bom seria, pudesse trazer à lume um pouco daquele tempo que se foi, meu velho... Lembro-me com imensa gratidão, quando ainda imberbe, chegava com uma surrada mala, à distante Terra de Rondon, para assumir minha primeira lotação funcional. Ali você já estava. E mesmo pouco nos conhecendo à época, foi você mesmo, quem todo esforço fez para me encaixar na Búlica, concorrida republica ocupada pelos novos vindos. Era dos últimos “sangue novo” a chegar, para implementar a recém fundada instituição federal matogrossense.
Pacifico e cordato você relacionava-se bem com a turma, mas vez e outra costumava esbravejar, desancando certas figuras não gratas no meio funcional. Acomodado, mas bastante prestativo. Dispersivo com as coisas do cotidiano, mas bom profissional e cumpridor do seu oficio, sempre fora assim.
Mesmo em função burocrática, você dava um jeito de estar nas missões em que os operacionais se arriscavam. Costumávamos tirar uma casquinha, dizendo que você errara a fila de inscrição para o concurso. No que naquele seu jeito, meio entre os dentes, retrucava em desacordo.
No inicio dos anos 80, defendendo os interesses da Nação; fosse na terra, na água, ou no ar, nos embrenhamos nas mais arriscadas aventuras em missões na imensidão de fronteira seca, na região Centro-Oeste do país. Em algusn certames até em desigualdade de condições, onde o inimigo nos imprimiu severas baixas, tirando do nosso convívio, colegas valiosos como: o paraense Amós, o gaucho Brandolf, o pernambucano Machado, todos vitimados em batalhas insanas, por investida de malfeitores covardes.
Mas não só de trabalho e duras lidas, foi-se parte de nossa mocidade naquelas plagas. Tinham as horas de estudo, os momentos de descontração, divertimento e curtição. E como tinham esses ultimos... O coletivo “bulicão”, nosso velho e incrementado maverick, depois o “jeepão do EB”, foram parceiros dessa fase inesquecível. As festanças nas casas noturnas; as curtições no Saramandaia, na balneária Chapada dos Guimarães e as rodadas de goles e paqueras no calçadão da Galdino Pimentel. Logradouro palco do ruidoso flerte àquela jovem faceira, que nos devotou uma dor de cabeça terrível, redundando na famigerada “sindicância do galanteio”.
Lembro-me daquela aventura em Chapada, quando num vacilo, escapuli na corredeira do Véu de Noiva. Não despenquei no precipício maior, graças a sua ágil intervenção, juntamente com o também conterrâneo Marlon Cutrim, catando-me pela borda da camiseta.
Durante toda essa fase, embora gostasse das terras pantaneiras, nunca escondeu a vontade de voltar as suas origens. Costumava dizer que um certo alguém muito especial aqui o aguardava. E lutou bravamente por esse retorno, até que conseguiu a difícil remoção funcional. Vim conseguir a minha, após uma década, mas meu alguém especial, trouxe mesmo de lá.
O tempo não se detinha. De volta às nossas origens, cada um para seu canto, constituímos família, pusemos em execução projetos pessoais, uns realizados, outros não. E enfim deu-se a sonhada aposentadoria. Um descanso das labutas, que embora tenha causado o natural distanciamento dos nossos pares, não chegou ao ponto de apagar nossas considerações, ou mesmo turvar a admiração que cultivamos pelos velhos e bons colegas de oficio.
Bem Lembro de quando integravas uma equipe de futebol que enfrentava um time da minha cidade, no meu interior. Eximio craque que eras com a bola, insisti para que entrasse em campo. Queria mostrar aos meus conterrâneos, a habilidade que o colega de serviço tinha, com a encantadora arte do futebol. Mas foi em vão... Ao meu ouvido, você confidenciou: cara, estou aqui só fazendo um H com essa equipagem, não entro em campo, por não ter mais qualquer resistência para jogar futebol. Uma pena... Pude saber que o silencioso mal da glicose, já havia lhe minado o organismo.
A última vez que nos avistamos e já faz algum tempo, deu-se num supermercado da capital. Conversamos detidamente sobre amenidades; o consumado processo de aposentadoria e terminamos por tratar sobre saúde. Sim..., a velha saúde. Não sei a impressão que levara de mim, mas pude percebê-lo um pouco deprimido. Procurei saber se o companheiro de taça também já havia “suspendido as armas”, a meu exemplo. Disse-me que não, apesar de admitir ter reduzido. É que na bebida encontrava seu ultimo recato para as motivações da vida, confidenciou-me. Pois sem hoby, andava afastado de qualquer outra diversão – continuou - até sua chácara à beira mar onde tanto ensaiou pescarias com amigos, já vivia abandonada, concluiu.
Despedimo-nos com um firme aperto de pulso. Na saída da loja, antes que desaparecesse empurrando o carrinho com as compras, meu olhar pesaroso o acompanhou e pude pela ultima vez perceber o quanto lhe ampliava a silhueta a espaçosa roupa que vestia.
É a ultima lembrança que guardo, do Amigo. Eivada de desejos que seus familiares tenham o conforto Divino, e que encontre o descanso Eterno, ao lado do Senhor em sua nova morada. Até que voltemos a nos encontrar um dia.