Retrato do cronista quando velho
Eu queria respostas precisas, cirúrgicas mesmo – e achei que teria alguma vantagem por entrevistar um médico e pesquisador histórico. Mas Lauro Grein Filho já está com mais de 90 anos. Acontece um bocado de coisas na vida de quem vive mais de 90 anos, e não é de se esperar que todas elas possam ser lembradas. “A vida vai passando e a gente vai esquecendo”, confessou. Perguntei a ele quando havia começado a escrever crônicas para os jornais, mas ele não soube responder. Também não sabia quando havia parado de escrever, e nem mesmo em que dia saiam os seus textos – podia ser no sábado, mas também na terça-feira. Não consegue precisar o tipo de assunto que escrevia. E, no entanto, eu sei que os seus textos se destacam justamente pela exatidão das informações – de forma elegante, ele reconstrói as memórias de uma cidade que viu crescer, com suas ruas, personagens e, inclusive, datas. Quando pergunto se lembra de alguma crônica em especial, surge justamente uma em que flagra uma época, a Rua Ermelino de Leão no passado.
Ao longo da conversa, ele se lembra ainda do texto em que mostrou aos leitores que o Rio Amazonas era o maior do mundo em extensão e volume de água, ao contrário do que as escolas ensinavam – para elas, o Rio Nilo era o maior em extensão. A secretária ao seu lado lembra ainda de outras crônicas, uma em especial sobre um cachorro, mas o próprio autor parece não conseguir identificá-la: “Tenho uma vaga ideia”.
Faço então algumas perguntas acadêmicas e desnecessárias sobre estilo e interferência do leitor no processo de criação, às quais ele responde que não pensava nisso enquanto escrevia. Sobre a necessidade de encontrar um tema novo a cada semana, ele brinca: “Eu sempre fui assediado pelo sexo oposto, e isso me dava muito assunto”. Mas o seu atestado de cronista ele assina mesmo quando responde como se sente tendo escrito textos para jornais por cerca de quatro décadas: “Sinto um certo orgulho. Mas não tanto”.