Portugal - Douro Vinhateiro, Patrimônio da Humanidade                                  Fotografia de © Ana Ferreira


                                   
De Rerum Natura  - A Natureza das Coisas
O poeta latino Tito Lucrécio Caro - séc. I a.C. - escreveu um único livro:
De Rerum Natura (A Natureza das Coisas). A obra proclama a realidade
do ser humano e seu temor perante a morte,  num  universo sem deus(es),
composto apenas de átomos movendo-se no infinito vazio. Século seguinte,
na Galileia, nasceu um homem que superou as expectativas de quase toda a
humanidade. Por ser transcendente,  Ele se sobrepôs a De Rerum Natura
contrariando os princípios de Lucrécio e de muitos pensadores e filósofos.


 

 
A NATUREZA DAS COISAS
 
É outono, cheira a frescura ao amanhecer. A terra, num lento e suave despertar, espreguiça-se ao sol que a beija calma e ternamente.
Gosto de saber que existe a certeza da renovação. Faz-me acreditar em sorrisos, no belo, no amanhã, na vida eterna!
Fecho os olhos, para depois abri-los com vontade, determinada a decifrar as situações difíceis que não raras vezes a vida me apresenta.
 
Depois da chuva vem sempre o sol. Depois do frio vem sempre o calor e,
pelo meio,
estas estações intermédias que tanto aprecio.
Acredita-se, deseja-se, espera-se… Às vezes, por dias mais frescos;
o
utras, por dias maiores e mais quentes. Tudo são vivências
e estados de espírito.

Há brilho nos olhos de quem acredita, de quem deseja, de quem espera.
Um brilho feito de medos, mas também de desafios; de passado, mas também de presente e futuro. 

A vida é uma eterna escola. Tudo é aprendizagem. Sentimos emoções
que ora nos preenchem, ora nos esvaziam.
E depois de tudo isto, a plenitude. O silêncio é detalhe preponderante para que cada instante
possa ser admirado.

 
Em março chega o outono. Chega a primavera também.
Em março vejo as flores do flamboyant perderem as pétalas.
Ao mesmo tempo vestem-se de rosmaninho, lavanda, madressilva, alecrim, papoilas e giestas, os prados e montes da minha terra;
a
brem-se ao azul do céu que os cobre e deixam-se embelezar pelas cores que só a natureza tem.
Os vinhedos vestem-se de verde e as searas de trigo
são acariciadas pelo sol, que faz crescer as espigas,
e pelo vento, que com elas canta douradas cantigas.

Oliveiras, pessegueiros, cerejeiras e amendoeiras em flor
apressam-se para abraçar o sol e seu calor.

É o desabrochar da temporalidade. É o sentir cada flor, cada semente
que germina.
É o preenchimento de tudo o que compõe a existência,
cada fibra, cada partícula.
É o fechar os olhos e sentir, e sentir é saber.
Saber que estamos presentes em todas as coisas.
Que somos parte da existência.
 
O tempo prolonga-se entre véus de silêncios, entre o sim e o não,
e é no brilho desta simplicidade que mora a grandeza do ser.
Entre capítulos de tristeza e dor, vão aparecendo outros plenos de descobertas, sorrisos, alegria... E nós sempre tão apressados em descobrir essas surpresas.
Amo a explicável Natureza das Coisas. Amo o incessante recomeço de  equinócios e solstícios que quase sem notarmos se sucedem.

Nós passamos, a vida acaba, ainda que feita de pequenos ou grandes nadas, mas a beleza continuará a ressurgir nos cantos mais recônditos,
não obstante seja primavera ou outono, e novas vidas acontecem nesse entretanto.  
Tudo é uma etapa para o que se sonha ser, mesmo o doloroso caminho
que percorremos desde semente até flor, desde flor até semente.
Tem chronos a sapientia, a eterna sina de ser nascimento e também mortalha.
No nascimento e na morte somos só atores secundários
e sempre, sempre, solitários.

Só quando tivermos dado o derradeiro passo compreenderemos que toda a caminhada serviu apenas para nos conduzir à porta da verdadeira casa.
Conosco ou sem a nossa presença, o mundo continuará a ser mundo,
a História há de cumprir-se.
Bastar-nos-à o nada que somos da nossa condição de pó. Da nossa condição de seres finitos. Sagrada, cruel, abençoada finitude das nossas frágeis horas!
 
É outono aqui, é primavera aí, e eu tenho flores campestres,
espigas douradas, cerejas, amoras e cachos de uva sobre a mesa,
em toalha de alvo linho bordada à mão.
É outono aqui e as migalhas de outrora que vêm daí
são sempre bem vindas a este chão! 
É outono aqui e acolho nas mãos os suaves murmúrios
do sol primaveril e da chuva que aí
emprenham a terra de seiva
e vida e pintam arco-íris de inimagináveis cores.


Nem todos os meus dias foram de poesia, mas tentei fazer um poema
de cada um, com versos que embelezassem os pequenos instantes.

Entendo o universo nas partículas mais invisíveis e nelas leio
todos os renasceres, ora sombrios, ora claros, das auroras.

Os meus braços crescem para abraçar isto tudo e tudo isto recolho
numa caixinha onde guardo todos os segredos.
Contemplo a luz e nada mais preciso para continuar a caminhada.
Sei da Presença que me habita.
Sei da Natureza das Coisas que em mim moram.


Vem outono! Vem, silencioso e sereno,
e calmamente no teu colo adormecerei,
abraçada à mais doce primavera que alguma vez almejei,
com a certeza de que nunca será demasiado tarde para concretizar
os sonhos que um dia ousei sonhar. 

Ana Flor do Lácio

 
Ana Flor do Lácio
Enviado por Ana Flor do Lácio em 29/03/2014
Reeditado em 29/03/2014
Código do texto: T4748757
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