A Senhora Perua na Fisioterapia

A mulher tinha lá seus setenta anos. Cabelo arrumado, laqueado, lábios pintados de vermelho, óculos escuros, um bronzeado suspeito. Estava na cara que havia feito cirurgia plástica. Talvez tenha sido uma dessas peruas que sonham aparecer na coluna social, nos seus áureos tempos.

Conversava com outra, mais jovem, lá pelos 45 anos, que tomava chimarrão, vestida mais informalmente. Quando cheguei, trocavam idéias sobre a beleza:

- Tem gente que acha o Ronaldinho Gaúcho um charme, dizia a mais nova. Vê se pode...

- Para mim a beleza é uma questão de atitude – dizia a outra, empertigada, com voz didática e pausada – uma pessoa feia, como o Woody Allen, quando se veste corretamente e mantém a compostura, pode ser charmosa.

(Risos internos)

- É, mas tem gente que não tem jeito, pode colocar a roupa que quiser e vai continuar parecendo pobre!

- É mesmo, diz a outra pensativa e compadecida.

(Como isso é verdadeiro para essas duas. Bem arrumadas e tão pobres de espírito.)

- La botê nésse pá zeternel, já dizia Oscar Wilde – cita a mais velha, num falso francês – Já leste “O Retrato de Dorian Gray” ?

A outra não responde, não querendo sair perdendo. Ambas me olham, querendo me envolver na conversa. Querem saber se já ouvi falar em Oscar Wilde. Fecho os olhos e começo a contar os exercícios, mexendo os lábios explicitamente, para dar na vista, enquanto flexiono a perna esquerda recém-operada.

Atrás delas uma outra cena. Uma senhora de seus noventa anos, trêmula, cabelos completamente brancos, curvada, levanta dois pesinhos minúsculos, num movimento constante.

A mais nova, termina o chimarrão e vai ao banheiro. Na saída se despede da companheira de conversa, prometendo encontro por ali, na semana que vem. A outra se despede desejando um bom fim de semana se Deus quiser. A mais jovem curva-se para a senhora de noventa anos e fala alto algumas supostas palavras de incentivo, que lhe espera ver novamente na semana seguinte. Querendo mesmo dizer que sabe que “aquela já está com um pé-na-cova, antes ela do que eu”. A senhora levanta os olhos e não responde.

(Será que não ouve ou perdeu a fala?)

Assim que a amiga jovem sai, a senhora perua começa a falar mal dela para a fisioterapeuta. “Imagina, com essa idade, separada do marido, e ainda quer fazer plástica...”. Olha para mim, querendo o meu apoio. Devolvo um olhar de desagrado, franzindo as sobrancelhas. Ela passa a ter certeza que a minha escolha de não conversar era com ela mesma.

A senhora perua vai terminar os seus exercícios. Faz um ou dois movimentos matados e falsificados. Adivinho seus pensamentos: afinal, esse negócio de esforço físico é coisa de pobre, sem atitude e compostura. Eu hein? Estou fazendo estes exercícios nesta clínica de baixa categoria porque o médico me obrigou. Por mim eu estava era num spa.

Matados os exercícios, pega sua bolsa de grife e vai se despedir da senhora de cabelos brancos. Desenrola uma ladainha espiritualista interminável, que afinal quer dizer somente: sei que estás com o pé-na-cova, mas tens que ter esperança de vida depois da morte. A senhora levanta os olhos, impassível, como fez com a outra, e continua a levantar seus pesinhos, sem responder.

A senhora perua vai embora, deixando claro que estaria se despedindo somente da senhora de cabelos brancos. Não mais faço parte de seus interesses.

Depois da saída da senhora perua, para minha surpresa, a senhora de cabelos brancos me olha e diz:

- Que bom que é sexta-feira, não é?

- É sim, respondo comovido.

Quando saio, ela deseja bom fim de semana. Respondo: se Deus quiser.