A HISTÓRIA DE UM (CHAPÉU) PANAMÁ
Dantesco era o caminho percorrido por aquele ser humano que mais se parecia com um ente das trevas, tamanha era a rigidez de sua face crispada por algo que poderia se chamar dor. Não essa dor que normalmente sentimos, mas aquela que atinge a essência do ser: a alma.
Sim ele havia perdido o que mais amava. Ela havia partilhado alguns anos dos momentos daquele homem que agora se encontrava só, cumprindo um ordálio de fazer inveja ao viés mais triste da existência humana.
Tristeza lhe acompanhava sempre. Além da tristeza, quem lhe acompanhava era o seu Panamá. Um chapéu confeccionado com palha especial oriunda do Equador, cujas histórias e estórias que o envolvem fincaram uma mística sobre o aludido adereço.
Certo dia, aquele homem sem norte estava se recuperando de mais uma de suas olimpíadas etílicas, quando ouviu um sorriso um tanto sorrateiro. Meio aturdido pelo efeito da ressaca, olhou para os lados e nada viu.
Acreditando se tratasse de um equívoco de seu lamentável estado mental, deixou pra lá.
Entretanto, não haviam transcorridos mais de cinco minutos e ouviu novamente o mesmo sorriso, agora mais forte, quase uma risada aberta, uma gargalhada em baixo tom.
Desviou o pensamento, posto que sabia que estava só naquele local por ele escolhido inúmeras vezes para se reencontrar e seguir sua infernal caminhada.
Foi rápido e ouviu uma gargalhada aberta, clara e em tom de deboche. Pensou e verbalizou: - Estarei enlouquecendo?
De imediato ouviu uma voz:
- Não te assusta, sou eu!
- Eu quem? Retrucou o infeliz.
- Eu, teu amigo, teu companheiro, teu chapéu, teu Panamá! Não te deste de conta que nunca te abandonei em toda essa demoníaca vida que escolheste depois que tua amada foi embora?
Aí ele, o espectro que dele havia sobrado, levantou assustado e surpreso, pegando seu Panamá em sua mão, ao tempo em que via que dele surgia uma energia que ele jamais havia notado. Foi então que o Panamá sentenciou:
- Em todos esses anos que te acompanho presenciei momentos de grande alegria e agora te vejo nessa imensa tristeza. Sei que a perdeste, mas não deste causa à perda. Dela cuidaste e tua consciência está limpa. Tens dois filhos por ela deixados e isto é razão mais do que suficiente para que retornes à vida e à vida em plenitude. Se assim fizeres seguirei te acompanhando. Se não fizeres como te falo perderás o último amigo, que sou eu.
Não houve tempo para resposta e se fez um vento bastante forte que tomou o Panamá das mãos do infeliz e o jogou para longe. Ele saiu correndo em busca do seu chapéu. O vento seguia. O homem corria, mas o vento levava o chapéu para mais longe ainda.
Nessa busca quase passional, o Panamá gritou:
- Dá a resposta! Dá a resposta agora!
Ele lembrou do que o Panamá havia lhe dito quando ainda estava em sua mão e então gritou:
- Sim, eu retornarei à vida e te quero comigo, meu Panamá, meu amigo!
O vento, assim como havia começado, cessou. O homem foi até onde se encontrava seu chapéu e o pegou carinhosamente com ambas as mãos, com um sorriso regado por lágrimas cuja matiz fazia tempo que não vertia de seus olhos. Foi quando viu que seu Panamá já possuía algumas marcas decorrentes do caminho infernal que havia percorrido junto com seu dono, por pura fidelidade.
A promessa feita pelo deserdado foi cumprida e a vida se refez!
E o Panamá? Haverão de perguntar.
O Panamá, agora velho, é um enfeite de grande valor que adorna a casa do homem que ousou falar com seu chapéu.