Coisas que nalgum tempo se diziam dos romeiros I
Ao ler jornais de São Miguel do século XIX, soube que a palavra romaria falava do que agora escrevo.
Que havia romarias esperadas, com datas certas: dias de patronos das terras, momentos de episódios quaresmais, santos populares e até Espírito Santos. Que havia romarias inesperadas, que se organizavam como resposta a fenómenos imprevistos, tais como excesso ou falta de água, temporais e outras desgraças naturais.
A duração de cada uma, variava: havia as que duravam poucas horas, outras, um dia, dois, três ou até oito dias. O destino delas também variava: havia as que se destinavam a uma determinada igreja, a uma grupo de igrejas próximas ou a igrejas de uma determinada devoção à volta da ilha.
Porém, em todas as romarias, tirando, a partir de uma certa altura, as que duravam oito dias em tempo da quaresma à volta da Ilha, iam famílias inteiras. Levavam na saca comida e às costas instrumentos musicais. Por exemplo, na Matriz de Nossa Senhora da Estrela, na Ribeira Grande, graças a uma indulgência plenária alcançada com a criação daquela igreja, concessão do século XVI, realizavam-se, no mês de Março, romarias de um só dia a todas as casas de Nossa Senhora da Matriz, da Conceição e da Ribeira Seca.
No Botelho, do Livramento, outro exemplo, desta vez, prolongavam-se por três dias e três noites consecutivas. Os romeiros à Lapinha, Nossa Senhora da Lapinha, vinham de Ponta Delgada e de freguesias dali perto. Na Fajã de Baixo, em Água de Pau ou nas Caldeiras da Ribeira Grande, outros três exemplos, entre muitos possíveis, faziam-se romarias pelo dia 15 de Agosto.
Francisco Maria Supico, liberal e progressista, redactor e proprietário do jornal A Persuasão, chamou de romeiros do progresso os que de Ponta Delgada haviam ido à Ribeira Grande assistir à inauguração da luz eléctrica.
Romarias, pois, no entender destes periódicos, eram peregrinações: religiosas ou não. Em todas, havia comes e bebes, cantorias e danças. Em todas, excepto numa, iam homens, mulheres e crianças.
No que diz respeito às mulheres, a de oito dias à volta da ilha no século XIX, não era assim. Mas nem sempre fora assim.
1. Proibição de irem mulheres nas romaria
Em 1707, na primeira visita de um bispo à Conceição, da Ribeira Grande, a paróquia fora criada poucos anos antes, o bispo deixou escrito no livro da paróquia preto no branco que lhe constava que ‘(...) alguns fregueses desta Igreja (...)’ faziam ‘(...) romarias, assim às casas de N. Sr.ª como às de diversos santos desta Ilha (…).’ Se fosse só isso, não haveria problema, o problema, segundo o bispo, era que os paroquianos da Conceição não o faziam por devoção, faziam-no ‘(…) para (...) se facilitarem na entrega de seus desordenados apetites.’ E ilustra os factos, de modo a não deixar quaisquer dúvidas a quem as tivesse: ‘(…) com violas, instrumentos e bailes indecentes e indecorosos.’ Para coroar as indecências, colocava uma cereja bem negra de pecados em cima do bolo: ‘(…) em companhia de várias mulheres (…).’ Pecado dos pecados, bem pior ainda do que a companhia das mulheres, que já era um pecado dos diabos, era que pernoitavam: ‘(...) promiscuamente nas casas das romagens, e ermidas, de que tudo resulta grande escândalo, e ofensa (...).’ Assim, querendo cortar o mal pela raiz, a mulher era a causa do pecado: ‘(...) manda que nenhuma mulher de qualquer estado, e condição que seja faça romarias algumas (...).’ Mais ainda, como as mulheres não fossem livres da sua vontade, caso teimassem: ‘(...) nem os maridos, pais, irmãos, e tios consintam que suas mulheres, filhas, e sobrinhas, que estejam debaixo de sua sujeição (...). ’
Vou deixar o resto da história para Domingo que vem, entretanto, deste Domingo até ao próximo, vou mais o meu filho na romaria da Matriz de Nossa Senhora da Estrela. A minha primeira foi há 27 romarias, para ele, é a sua primeira completa. Faço-vos o pedido de rezarem por nós.
(II parte: na próximal)
Mário Moura