Um amor diferente



          Meu neto, me vendo chegar com uma sacola da Saraiva, acompanhou-me até meu gabinete, e disse: "Vô, isto aqui está parecendo uma livraria. De repente você não vai ter lugar para guardar mais um livro."
          Tocando-lhe o queixo com mão de avô, respondi-lhe, que, se existe um lugar onde me sinto realmente feliz, é numa livraria.
          E procurando diminuir-lhe a preocupação com a possível falta de espaço para mais um livro no meu gabinete de trabalho, completei: para um bom livro, meu neto, nunca faltará espaço nas nossas estantes. Pareceu-me a mim ter ele concordado.
          Eu disse lá em cima, que me sentia feliz dentro de uma livraria. E como a escritora Heloisa Seixas, eu também prefiro as pequenas livrarias.      Elas, com certeza, são diferentes das megastores que, segundo Heloisa, na sua crônica Um lugar de amor, embora sejam "muito úteis parecem lojas de departamentos."
          E lembra, como uma livraria de "porte médio", a Argumento do Leblon, que também frequento,  nos meus dias de Rio de Janeiro.
          E fazendo sua crônica ainda mais interessante, Heloisa Seixas lembra uma frase que ouvira do escritor Ruy Castro "sobre como (ele) se sente dentro de uma livraria." Disse Ruy: "Tenho a sensação de que, ali dentro, nada de mal pode me acontecer. Eu me sinto cercado de amor."
          Na minha modesta opinião, assim como acontece (ou pelo menos deveria acontecer) no interior das igrejas, também nas livrarias, "um lugar de amor", o silêncio devia ser sempre guardado e respeitado.
          Mas ao escrever sobre livrarias, Heloisa Seixas falou sobre o que ela chama de o "livro amado". Para ela, "é aquele que nos faz torcer para chegar em casa, sabendo que logo estaremos com ele nas mãos."
          E prossegue: "O livro amado é aquele que, por alguma razão, toca um ponto sutil dentro de nós - e nos prende, nos apaixona de forma irresistível."
          E mais: "É aquele livro que nos transporta, que anula o mundo à nossa volta, como um passe de mágica."
          E finaliza:  "É o livro que deixa saudades, aquele do qual jamais nos esqueceremos."
          Diria que todos nós temos nosso "livro amado". Pode ser um romance, nacional ou estrangeiro; um livro de crônicas ou de contos; um livro de auto-ajuda; um livro religioso, que não seja a Bíblia.
          Ivone Jucá, minha mulher, por exemplo, fiel amiga de bons autores, elegeu como seu livro amado Um momento em Pequim, do respeitado escritor chinês Lin Yutang (1895-1976), com setecentas e tantas páginas, por ela devoradas, acho que uma dúzia de vezes. 
          Considero-me uma exceção ao confessar publicamente não ter, a rigor, o meu livro amado.      Admirador de uma dezena de cronistas, eu amo os livros de todos eles.
          Todos são parte da montanha de livros que chamou a atenção do meu neto, me vendo chegar em casa com O prazer de ler , da Heloisa Seixas, e A morte - Na visão do Espiritismo , de Alexandre Caldini Neto.
          É provável que entre os livros que enriquecem minhas estantes esteja o meu livro amado.
          Resistiria, porém, em apontá-lo, para não semear ciúmes entre os inúmeros cronistas que me fazem companhia nos meus sagrados e irrenunciáveis momentos de leitura diária.
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 25/03/2014
Reeditado em 18/03/2020
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