CRONOMETRADA
Toda vez que penso escrever uma crônica, a princípio hesito. Profusão de palavras sugere-me indefinidos temas.
Recuso-me ao premeditado, à elaboração preposta. Prefiro a súbita evidência do inesperado, como é o pensamento que vem à solta e desordenadamente para organizar-se em palavras justapostas numa sintaxe frasal.
Cada palavra é o eco e a luz de uma ideia a vingar ou perder-se no tempo. O momento da crônica é a cronologia do agora; o imediato que a vida espera enquanto o ponteiro avança. Se algo eu premedito ou planejo, quando o escrevo é pretérito e só o conto o conta.
Gosto da linha tênue, atemporal, indivisível da lógica e da razão vizinha à sensação emotiva, vaga ou tão presente. Apego-me à palavra; vejo-a, sinto-a, dou-lhe cor, voz e formato num traço horizontal a traduzir-me um instante. Alguém depois talvez não seja eu, verbo conjugado, pois quando ao escrever não sou, estou no infinitivo. Valho este sopro de voz que o vento evoca quando em mim respiram emoções gotejadas, pingos poéticos ao lado dos meus sentidos, no lago dos meus sentimentos. Imerso estou no azul do meu oceano, e só as palavras – algas desgarradas do lodo pensamento – levam-me à flor das águas, superfície límpida e radiante onde o céu é um papel pontilhado com letreiro de estrelas. Aí, sob a alvura das nuvens, entre o azul das ondas e a prateada luz da lua, prendo-me ou livram-me as palavras a cada ponto, a cada desinência a mover-me como esses inevitáveis “esses” que me pluralizam.
Não sei da crônica o que o dia diz. Nada sinto e vejo além desse cheiro de mato; chuva, terra molhada, restos de verão numa tarde outonal. Alongo o meu olhar à cinzenta serrania do planalto. Por algum momento me disperso do “Guardador de Rebanhos”. Sou o Pessoa e leio A Confissão de Lúcio, (fecho a página do Mário de Sá Carneiro). Sou mais o Quental contrário a Camilo. “Não, não vou por aqui!” Mas não sigo José Régio. Meu Cântico é outro. Às vezes Byron, às vezes Goethe, ou, quem sabe, da “Noite na Taverna” Álvares de Azevedo me leve a “O Cortiço” do xará Aloisio. Retorno. Penso o Caminho de Compostela, a Via crucis dos errantes, o tribunal da consciência a cogitar o crime e jurar inocência. Olho os meus filhos e reflito: só há palavras puras na verdade em doce eloquência. Acabo de escrever, numa assentada, está página restrita. Talvez de crônica nada. Palavras, signos do pensamento. Reflexos da vida em mim cronometrada.
Foto> Google> 1. Royal Tulip Alvorada Hotel
2. Quadra residencial
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Toda vez que penso escrever uma crônica, a princípio hesito. Profusão de palavras sugere-me indefinidos temas.
Recuso-me ao premeditado, à elaboração preposta. Prefiro a súbita evidência do inesperado, como é o pensamento que vem à solta e desordenadamente para organizar-se em palavras justapostas numa sintaxe frasal.
Cada palavra é o eco e a luz de uma ideia a vingar ou perder-se no tempo. O momento da crônica é a cronologia do agora; o imediato que a vida espera enquanto o ponteiro avança. Se algo eu premedito ou planejo, quando o escrevo é pretérito e só o conto o conta.
Gosto da linha tênue, atemporal, indivisível da lógica e da razão vizinha à sensação emotiva, vaga ou tão presente. Apego-me à palavra; vejo-a, sinto-a, dou-lhe cor, voz e formato num traço horizontal a traduzir-me um instante. Alguém depois talvez não seja eu, verbo conjugado, pois quando ao escrever não sou, estou no infinitivo. Valho este sopro de voz que o vento evoca quando em mim respiram emoções gotejadas, pingos poéticos ao lado dos meus sentidos, no lago dos meus sentimentos. Imerso estou no azul do meu oceano, e só as palavras – algas desgarradas do lodo pensamento – levam-me à flor das águas, superfície límpida e radiante onde o céu é um papel pontilhado com letreiro de estrelas. Aí, sob a alvura das nuvens, entre o azul das ondas e a prateada luz da lua, prendo-me ou livram-me as palavras a cada ponto, a cada desinência a mover-me como esses inevitáveis “esses” que me pluralizam.
Não sei da crônica o que o dia diz. Nada sinto e vejo além desse cheiro de mato; chuva, terra molhada, restos de verão numa tarde outonal. Alongo o meu olhar à cinzenta serrania do planalto. Por algum momento me disperso do “Guardador de Rebanhos”. Sou o Pessoa e leio A Confissão de Lúcio, (fecho a página do Mário de Sá Carneiro). Sou mais o Quental contrário a Camilo. “Não, não vou por aqui!” Mas não sigo José Régio. Meu Cântico é outro. Às vezes Byron, às vezes Goethe, ou, quem sabe, da “Noite na Taverna” Álvares de Azevedo me leve a “O Cortiço” do xará Aloisio. Retorno. Penso o Caminho de Compostela, a Via crucis dos errantes, o tribunal da consciência a cogitar o crime e jurar inocência. Olho os meus filhos e reflito: só há palavras puras na verdade em doce eloquência. Acabo de escrever, numa assentada, está página restrita. Talvez de crônica nada. Palavras, signos do pensamento. Reflexos da vida em mim cronometrada.
Foto> Google> 1. Royal Tulip Alvorada Hotel
2. Quadra residencial
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