UM RELATO À QUEIMA ROUPA

Saí pra comprar pão, diariamente meus filhos se revezam na tarefa, mas hoje acordei tão bem disposta que consegui aprontar tudo mais cedo.

Acordei num pique só, adiantei o almoço, recolhi as roupas do varal, levei o lixo pra fora, tudo antes de sair pro trabalho. E como ainda havia tempo, para agradar a família, além de buscar o pãozinho quente, resolvi incrementar o café com trezentos gramas de mortadela!

Por essa razão caminhei em direção à padaria e foi só eu virar a esquina para fatidicamente me deparar com um tiroteio. Fato corriqueiro na comunidade onde moro, mas inusitado, pois os tiros vinham todos da mesma direção, como se as balas dos fuzis estivessem sendo espirradas de narizes doentes e se espalhando sem rumo no ar.

Sem possibilidade alguma de fugir dali, acabei diante de um pelotão de fuzilamento, sem crime algum pra pagar, sem culpa nenhuma pra expiar...

Ai!

Não bastassem as balas atravessando e se fixando no meu corpo, ensanguentada fiquei estirada na rua aguardando ser removida, desacordada ou morta.

Diante de tanto horror, creiam, para me preservar, o meu coração e a minha mente me levaram pra longe dali. O que acontecia naquele momento, vida não era; e eu só queria viver!

Agora, aqui do alto, ah eu morri, explico, de um computador numa “lanhouse” no céu, vejo que meu corpo foi colocado num porta-malas de viatura policial. Porta esta que mais à frente se abriu e projetou meu corpo para fora do carro. Ah, mas ele se manteve ali, preso por um pedaço de roupa, um pedaço de mim que eu suei pra comprar no Mercadão de Madureira.

Dessa forma fixado ao carro seguindo apressado rumo ao hospital, ele, o meu corpo, foi arrastado por uns 250 metros, até que os condutores, avisados por outrem, parassem a Blazer e o resgatassem.

Ou até que os condutores se dessem conta de que ali se ia um tanto de mim, um tanto de vida, de mulher preta, mãe, cidadã, pessoa, tatuando com sangue o asfalto.

C.