Fingir

"Logo depois de voltar daquele café - sozinha - senti a enorme necessidade de jogar um pouco de conversa fora, discutir sobre cultura e até me arriscar no assunto

política, revirei a lista telefônica e conforme os nomes surgiam lembrei que a quantidade de pessoas disponíveis e conhecidas para conversar em uma tarde de domingo era limitado, quase inexistente ouso dizer. Senti a solidão bater com força na porta do meu apartamento naquela tarde, fui pega por uma nostalgia deprimente quando comecei a olhar fotos antigas no notebook, a vida já tinha sido muito mais agradável em outros tempos, eu já tinha sido uma companhia melhor.

Enquanto navegava em foto em foto -em pensamento e pensamento- me recordava que tudo tinha sido mais fácil, ou quem sabe dificil, a maior diferença estava no modo que me comportava. Realmente, nunca fui um exemplo de pessoa em questão de relacionamentos com outras pessoas, não só no amor(como a maioria diz ser) mas na amizade, coleguismo e mais coisas rotuladas. Nunca gostei de dizer um "Bom dia", "Como vai?", " Como ele está na escola", "Eu também te amo", mas como vivemos em um mundo movido por, em sua grande maioria, sorrisos falsos, tive que me adaptar. Comecei com sorrisos amarelos, abraços revirando olhos, apertos sujos de mãos e beijos obrigados, chegando em pontos nos quais eu mesmo acreditava que eu fazia aquilo por que queria, não para mascarar algo.

Tive amigos e companheiros que realmente se importavam -ou se importam-comigo- alguns até me arrisco a dizer que me importei "muito"com eles, de perguntar até "Como foi seu dia?". Outros já insistem em mostrar que-supostamente-se importam comigo, insistem em festas surpresas, em sorrisinhos ironicos, utensilios de cozinha, colares, anéis de ouro , se eles soubessem o quanto odeio anéis de ouro. Tinha algumas coisas que até eu gostava, de alguns gestos e surpresas, porque nisso tinha momentos que eu não precisava fingir nada, soltava uma piadinha infame aqui, uma lá, uma ironia mais pra lá, Deus, era muito bom, a sensação de você ser você mesma nesses momentos, é quase melhor que um drink e um cigarro. Mas já outros tipos de gestos e surpresas... Necessitava gritar, gritar e gritar muito, isso acontecia na maiorias das vezes, até que finalmente você cansa.

Então finalmente cansei das mesmas pessoas, das mesmas coisas, dos mesmos gostos. Fui diminuindo o uso dos sorrisos, dos olhares, dos abraços ,dos beijos até

chegar em um ponto onde isso era quase nulo, inexistentes, onde o barulho da torneira pingando era um dos poucos ruídos do apartamento. Escutei muitas músicas,

escrevi muitas coisas, vi muitas coisas, estava tudo se encaixando no modo que eu procurava e queria. Não tinha mais pessoas ao meu redor com seus "Olá" ou o seus"

Você está linda hoje", até surgiu alguns dias atrás algo como "Sinto sua falta, sabia?" mas confesso que não me importei muito, na verdade acho que nem foi isso,

deveria ser algum telemarkenting vendendo algo que não quero. Finalmente por opção eu estava sozinha.

Mas depois de tudo isso vivido, tudo isso perfeito, porque agora estou sentindo essa necessidade de sentir algo?, algo interno e externo, algo parecido com troca

de palavras, temo dizer que até uma troca de olhares faria a diferença. Sempre procurei por isso eu me repito, encontrei e estava me dando como satisfeita pelo que eu tinha conquistado, estava feliz como meu whiskey, com meu cigarro, com meu notbook, com meus devaneios, com minha tão boa solidão. MAs mesmo assim aqui estou eu, me lembrando de todas as brincadeiras, dos sorrisos amarelos, dos abraços revirando os olhos, do "Como vai?", do "Eu também te amo" e até dos anéis de ouro. EU sei que não faz diferença essas coisas para mim, mas no fundo eu sei que de certa forma eu preciso disso...Ou será que não preciso? Acho que no fim vou sair dar uma volta para tomar um café sozinha, eu e minha companhia."

Pablo cascadenoz
Enviado por Pablo cascadenoz em 22/03/2014
Código do texto: T4738844
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