Como todo suicida

Acreditava na vida após a morte – como todo suicida. E de vez em quando, no fim da tarde, levava seus ombros caídos para vagar entre os andares de um shopping center. Não qualquer um, mas aquele em que mais de dez pessoas já haviam se atirado do último andar desde a inauguração. Elas subiam até a praça de alimentação e de lá se jogavam bem na área central do shopping. Só depois de muito tempo é que se decidiu colocar um vidro impedindo que pulassem. Descobriu-se então uma área externa, também no último andar, que poderia muito bem servir para esses propósitos. Mas ali apenas um senhor teve êxito, porque logo o shopping tratou de envidraçar a saída. Desde então mais nenhum caso foi registrado. Se fosse antes de botarem vidro em tudo, é provável que também tivesse pulado. Acabaram com os meios para se matar, mas não com os motivos – foi o que pensou.

Subia a escada rolante em direção ao primeiro andar. Nele não havia vidro nenhum, porque quem pulasse dali, embora se machucasse tremendamente, ainda continuaria vivinho. Olhava para as pessoas que encontrava, prestava atenção na expressão delas e se espantava porque em nenhuma identificava a mesma dor que sentia. Será possível que ninguém mais sofre? Será que ninguém mais pensou em pular daqui? Também se admirava que ninguém percebesse a sua própria expressão, carregada de angústia e desespero. Se estivesse pensando em pular, ninguém daria pela coisa senão quando fosse tarde demais. E, no entanto, não era difícil adivinhar o desejo em seu rosto.

Sentou-se próximo a um vaso de flor. Ao seu lado, uma mulher falava ao celular. Esperou que olhasse na sua direção. Queria que ela visse o seu estado, percebesse que não estava bem. Quem sabe ela até resolvesse ajudar. Aceitaria a ajuda dela. Mas muito tempo se passou e a mulher, distraída, nem por um momento olhou para quem estava logo ao lado.

Desanimado, levantou-se e caminhou até a praça de alimentação. Ainda queria se matar, mas agora lentamente.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 21/03/2014
Reeditado em 21/03/2014
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