GRAVATA

Há algum tempo atrás, perambulando pela rua após o almoço, me deparei com uma vitrine em que estava exposta, juntamente com um conjunto de calça e costume, uma gravata azul.

Aquele simples objeto, como por encanto, despertou meu instinto consumista... mais do que isso: minha libido material. Ela seria minha... não fosse o fato de eu estar atrasado para o trabalho.

No dia seguinte, ela estava lá: como se não quisesse nada, entrei na loja, pedi para o vendedor pegá-la, para que eu pudesse admirá-la em minhas mãos...

Naquela época, não sabia diferenciar seda de poliéster... apenas achava maravilhosa aquela gravata... apesar da minha camisa não combinar em nada com aquela gravata, eu achei que era a oitava maravilha do mundo contemporâneo.

Estava tão embasbacado que me esqueci de perguntar o preço... fiquei muito decepcionado por não poder comprar aquela peça naquele momento – honestamente, naquela época, eu não poderia comprar em momento algum.

A impossibilidade de comprar aquela gravata azul me deixou muito frustrado... durante alguns dias ela continuou exposta na vitrine e, após a troca dos manequins, ela ficava exposta dentro da loja em um lugar que eu poderia ver, a cada vez que passava na frente da loja.

Passeando no shopping, eu vi uma “gravata azul” genérica: ela era bonita, e custava bem menos do que o objeto da minha cobiça. Não pensei duas vezes: simplesmente comprei a gravata genérica, na esperança de satisfazer minha vontade.

Durante algum tempo, esta foi minha gravata favorita. Nem olhava mais para dentro da loja... eu tinha arranjado uma substituta. Qualquer audiência mais importante, ou atendimento especial, era a gravata genérica que usava.

Todavia, por alguma fatalidade do destino, o acabamento da gravata que fica junto com a etiqueta descosturou... ela nunca mais teve o mesmo caimento... ficou meio disforme, esgarçada. Tive de deixar ela de lado.

Em uma promoção de mudança de coleção, a gravata azul entrou em liquidação: ainda era cara, mas muito mais acessível do que quando eu perguntei o preço pela primeira vez. O vendedor ainda lembrava que eu tinha gostado da peça, e disse uma coisa: “- Viu, você acabou comprando ela !”.

De fato... ela era minha. Aquela gravata azul era diferente: ela era mais bonita, melhor... mas por algum motivo, eu não estava mais tão entusiasmado. Ela foi minha companheira durante bons anos, até que um dia a emprestei para um amigo ir em um casamento...

Ela não voltou para mim... meu amigo até se dispôs a comprar outra – mas se eu falasse o preço, provavelmente eu perderia a amizade, pois ele pensaria que estava querendo extorquir o dinheiro dele.

Confesso que fiquei ressentido por tê-la perdido, mas jamais posso dizer que enquanto eu a tive pude ter o mesmo prazer que teria se eu tivesse comprado aquela gravata azul quando eu tive a primeira oportunidade.

A gravata azul foi real... e ela poderia ser perfeitamente uma pessoa.

Na prática, eu imaginei que a gravata azul era inacessível... não era, somente estava fora das minhas condições atuais.

Também pensei que a gravata genérica pudesse suprimir aquela sensação que tive ao ver e ter contato com a gravata azul pela primeira vez... ela cumpriu o seu papel. Mas mesmo com as suas qualidades – no caso, ser parecida, aquele objeto não era a gravata azul... e meu erro foi criar expectativas nesse sentido.

Por fim, após comprar a gravata azul, eu não senti tão bem quanto eu esperava... não tive aquele sentimento doentio em relação a peça. Nesse caso, simplesmente o que aconteceu foi que mesmo gostando muito da gravata azul, as circunstâncias eram diferentes.

As circunstâncias não, eu estava diferente.

Naquele momento de escolha, escolhi uma peça genérica, que lembrava a gravata azul. Quer queira, quer não, toda a expectativa que eu tinha em relação a original acabou se esvaindo com a minha vivência... mais ou menos como um relacionamento.

E quando eu tive a experiência de ter a gravata azul, acabou sendo meio que decepcionante – e a culpa não foi da gravata.

Infelizmente, apesar de ser uma pessoa observadora, muitas vezes eu aprendo somente após vivenciar experiências desfavoráveis... eu não precisava da gravata genérica, mas não tive a paciência de esperar pela gravata azul. E hoje, não tenho mais nenhuma das duas...

SEBASTIÃO SEIJI
Enviado por SEBASTIÃO SEIJI em 20/03/2014
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