PENA DE MORTE (O DESABAFO DE UM CONDENADO)

Eu nasci na Baixada, dentro da minha própria casa,

Um cômodo só, lá no meio do nada

O choro estridente de mais um brasileiro, carioca, fluminense

Puro e verdadeiro como qualquer criança

Mas os anos se passam e a idade avança

O tempo levou os sonhos deixando apenas a esperança

Que infelizmente em minha mente não conseguiu fazer morada

Desde pequeno conheci as madrugadas

Sem pai e só com a mãe nas filas de caridade

Aprendi a viver com o resto a sobra da metade

Ainda não sabia ler e escrever e nem minha própria idade

Quando as doze conheci a FUNABEM,

Depois aos catorze usava drogas e “surfava” nos trens.

A falta de infância e a desesperança

Transformei em revolta por culpa de alguém

Que me negou meus direitos

Até os cinco só comi bem porque mamei no peito

Só tive roupas doadas e quase nem um brinquedo

E por incrível que pareça, eu, neguinho, brasileiro nato

Não jogava bola, gostava de tiro ao alvo e tive duas pistolas

Tudo antes de me alfabetizar e ingressar no serviço militar

A obrigação de bater continência e jurar à bandeira

Foi então que a revolta me tomou a mente inteira

Perdi meus poucos amigos, ganhei vários inimigos,

O exército cansou de me deixar detido e me expulsou

Assaltei, assassinei, sequestrei e então fui capturado

Serei condenado e tudo o que digo não é só um desabafo

Essas palavras saem de mim como um choque anafilático,

Dramático e sem perguntas e nem respostas certas

Mas antes de vocês também me julgarem

Ouçam o restante da minha história com suas mentes abertas.

Prisão perpétua, pena de morte

Temos várias feridas abertas e quem vai curar os cortes?

Nossos problemas não são por mera falta de sorte

Muitas das nossas sentenças vêm de fora

Entram e saem sem passaporte

E o mundo todo da notícia da nossa falência

Nossa polícia é o retrato da incompetência

E a política do nosso governo parece nos querer sempre

Doentes, analfabetos, sem terra, sem teto...

Cada vez mais violentos e cheios de ausências

Mas quem me julgou não me deu flagrante,

Quem me condenou nunca me deu uma chance

E se hoje eu sou um adulto criminoso

Um terrível delinquente

Antes também fui uma criança inocente e sem pecado

Não há crime que compense

Mas será que sou o único culpado?

Eu tive frio e não me deram um lençol,

Não tive luz no meu barraco de pau,

Eu tive fome e não me deram o “sal”

Porém, sou culpado e serei condenado

Seja à cadeira elétrica ou à injeção letal.

Mas, que dessa lista o meu seja o primeiro nome

Pois matem também a fome,

Porque a fome não é ré primária,

A fome mata no mundo inteiro e não escolhe faixa etária,

A fome é impiedosa com idoso, adulto, criança

Há miséria no mundo inteiro

Em Angola, no Brasil, em Moscou, na China, na França...

A gente vê o show, mas onde está a esperança?