Três em uma não é nenhuma

TRÊS EM UMA NÃO É NENHUMA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 19.03.14)

Sábado pela manhã é ocasião excelente para soltar balão. Pelo menos em Santa Catarina. Balão de ensaio. Por causa da explosão das redes sociais. No Estado, os jornais de domingo saem em edição única com os de sábado ou chegam às ruas na metade da manhã de sábado. Assim, uma boa notícia publicada sábado de manhã em algum blogue no qual as pessoas confiem rende uma porção de comentários antes de ser impressa na segunda. Se a repercussão não for a esperada pelo emissor, a notícia não é confirmada. Vira boato e não chega a ser impressa.

Talvez seja isso o que aconteceu. Ou talvez não, e pode ser que a notícia ainda se confirme nos próximos dias. Então terá sido um furo do jornalista que antecipou os acontecimentos com tanta antecedência. Um balão de ensaio eficiente promove o candidato a um cargo de confiança, e ao menos lhe confere poder de barganha para negociar eventual desistência, ou queima de vez suas pretensões. Pode servir também para fritar em fogo brando, quase frio, o ocupante do cargo ambicionado.

O fato é que, no sábado de manhã, o jornalista Moacir Pereira, colunista do "DC", anunciou no seu blogue a troca na Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte. Sairia Valdir Walendowsky e entraria Felipe Mello. Substituir secretários ou ministros é evento corriqueiro em qualquer democracia. O problema surge quando esse se torna o sexto secretário em 3 anos e 3 meses de governo. Se já não fosse problema suficiente uma mesma Secretaria ocupar-se de três áreas tão distintas com um organograma que mistura as três "especialidades" até o segundo nível hierárquico. A diferenciação se dá apenas a partir dos cargos gerenciais. O resultado é uma Secretaria em que não se sente o cheiro da cultura. Nem do esporte. Nem do turismo. E os agentes dessas três atividades, os membros da sociedade civil organizada, as pessoas que fazem esses setores acontecer, estão roucos de tanto pedir secretarias exclusivas.

Mas não adianta. Há uma teimosia, uma cisma, uma birra incrustada nas cabeças burocráticas. Pensam, talvez, que se pretendam três secretarias com a complexidade de uma Educação. O que se quer apenas é foco. Especialização. Gente que saiba do que se está falando e conheça as pessoas físicas e jurídicas que fazem cultura, e esporte, e turismo.

O nome de sábado é estranho às três atividades. As reações foram imediatas e indignadas. Leram-se nas redes sociais declarações veementes, entre outros, de conselheiros estaduais de esporte e de cultura. O ventilado é filho do deputado federal que é dono do PR em Santa Catarina, sigla que se encantou pelo maravilhoso projeto de reeleição do governador e decidiu apoiá-lo com entusiasmo. Precisa, pois, ser recompensada por tamanhas dedicação e entrega.

Na contramão dos compromissos oficiais assinados com o Governo Federal, o governador ameaça, através de leis que fez aprovar na Assembleia em dezembro passado, com o esvaziamento literal dos fundos de incentivo ao turismo, ao esporte e à cultura: a qualquer momento, por meio de um artifício banal qualquer, seu governo pode meter a mão no dinheiro dos fundos, aniquilando as três áreas de uma penada só. Esvazia os conselhos. E senta-se sobre os três planos estaduais.

Enquanto isso, o secretário atual (atual até a segunda-feira, data desta crônica) acumula as presidências da Santur, de onde procede, e da Fundação Catarinense de Cultura, de fato acéfala há nove meses. Balão de ensaio ou não, falta seriedade à brincadeira toda.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.

(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.

Flávio Tavares, "Memórias do Esquecimento"