A garrafa muda que sabe escrever – Papai e mamãe: duas histórias.
Eu me aproximei da janela e mirei o céu. Deixei de lado o último pedaço de pão e nem me importei com a fome.
– Papai, de onde vêm as nuvens?
A resposta surgiu como um raio, sem o papai sequer desviar o olhar do jornal.
– Existe o mundo das núvens, Kaleo. Mas é muito longe. E por isso elas vêm para cá de trem. Tomam-no na estação Distante e descem aqui na cidade logo pela manhã, antes de todos acordarem. Na lanchonete da esquina elas bebem leite puro e comem bolacha com recheio de baunilha. Em seguida sobem aos céus. O açúcar da refeição é quem as deixam bem agitadas. Mas não comente com ninguém, é um segredo de poucos, só dos que acordam cedo.
Ao final o papai deixou escapar um risinho descontraído e uma piscadela de um olho só em minha direção. A mamãe não gostou muito. Soltou os três pratos esmaltados na pia e se virou para nós.
– Pare de mentir para a menina, Eala! Se não sabe, não invente…
– Não estou mentindo, ora. Pergunte ao dono da lanchonete, Sra. Verdade – E outro risinho.
A mamãe negou a atitude do papai com uma expressão bem forte no rosto. Meneou a cabeça também.
– Não é assim, minha filha. As núvens vêm da barbearia do Velhinho da Criação. Toda vez que a barba dele já está bem grande e branca como algodão tratado, ele manda cortar e guarda os pedaços numa caixinha debaixo de sua cama. E toda vez que acorda e encontra o céu sem nenhuma núvem, retira da caixinha um punhado e assopra pela janela. E, não, elas não comem açúcar. Seu pai deveria muito bem saber disso!
A mamãe se virou novamente para a pia e recuperou os pratos.
O fato é que, apesar de a mamãe sempre dizer a verdade como ela é, e isso não é nada rejeitável, eu sempre gostei mais das invenções imediatas do papai. Era sempre bem mais divertido ouvir suas histórias mirabolantes e criativas com uma pitada de humor infantil. Era tão bom que hoje sinto falta, um vazio insuportável. E é justamente pela falta, somada à tamanha saudade que sinto dos dois, que, às vezes me vejo escrevendo minhas próprias histórias mirabolantes. E, claro, muitas vezes também me vejo contando a mim mesma, as verdades aqui da cidade, igualmente extravagantes. Assim lembro-me perfeitamente do papai e da mamãe.