Programa de índio
De vez em quando eu me dou o direito de acompanhar um programa de índio – de vários índios, na verdade. Eles costumam vir até Brasília porque, afinal, é o lugar onde o homem branco costuma tomar decisões importantes. Por uma incrível coincidência, a maior parte dessas decisões não são favoráveis a eles. Ultimamente surgiram umas histórias de construir hidrelétrica, gerar energia, fazer o país crescer. Tudo muito bonito, mas o índio já aprendeu que, se deixar, o homem branco passa por cima mesmo. Por isso é que viaja de avião e vem reclamar na capital do país. E de repente eu me vejo em um auditório cercado por índios armados, incapaz de dizer para quem eu trabalho, sob pena de levar uma flechada ou coisa parecida.
O cacique Raoni, líder dos caiapós, aquele índio famoso que virou amigo do Sting, também veio protestar. Mas veio protestar na língua dele, porque não fala o português. Há uma centena de línguas indígenas no Brasil, mas só serão consideradas as reclamações feitas em bom português – de preferência seguindo a novíssima Reforma Ortográfica, que une todos os povos. Só assim poderemos reconhecê-lo como um perfeito brasileiro. Providenciou-se então um tradutor, mas nem por isso as palavras se tornaram mais compreensíveis ao homem branco. Raoni vestia um cocar amarelo, roupa social e chinelos, além do botoque que esticava a sua boca uns dez centímetros. Enquanto contava as angústias do seu povo, estava rodeado por fotógrafos que se sentiam no jardim zoológico.
O que Raoni dizia era que desde a gestão Pedro Álvares Cabral os índios nunca haviam sido tão enganados. O governo prometeu que só faria algo depois de ouvir o “sim” dos índios, mas o sim nunca veio e nem por isso o governo deixou de fazer algo. E nenhum homem branco ali teve coragem de dizer que, no fundo, no fundo, acha que não tem muito valor a opinião de quem mora como selvagem no meio do mato. Porque, apesar da nossa retórica, nunca demos a entender que pensássemos outra coisa.